segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

A história do motorista de Derrite na Rota que ‘cancelou CPFs’ e é suspeito de ligação com o PCC, OESP

 

O 3.º sargento José Roberto Barbosa de Souza, o Barbosinha, de 49 anos, começou a se aproximar da política em 2018. Era o cabo Barbosa, que trabalhava nas Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota). Na época, seu apoio a uma candidata do PSL foi tão intenso que o comando da unidade decidiu afastá-lo do batalhão. Dali em diante, o policial continuou a se aproximar de políticos, como do então deputado federal Guilherme Derrite, de quem fora motorista na Rota.

O 'Cabo Barbosa' participa de podcast Papo de Rota com o então deputado Guilherme Derrite; antigo motorista do secretário é investigado por ligação com o PCC
O 'Cabo Barbosa' participa de podcast Papo de Rota com o então deputado Guilherme Derrite; antigo motorista do secretário é investigado por ligação com o PCC Foto: Reprodução / Youtube / Papo de Rota / Estadão

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Ativo nas redes sociais, Barbosinha conseguiu uma vaga para disputar uma cadeira na Câmara dos Deputados, em 2022, pelo União Brasil. Queria fazer parte da bancada da Rota, aquela dos policiais que usam o discurso de combate ao crime para obter votos. Hoje, ele está entre os PMs supostamente cooptados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), que são investigados no inquérito que já mandou para a cadeia 16 de seus colegas e ameaça outros tantos. A coluna não conseguiu contato com a sua defesa.

Para oficiais da PM ouvidos pela coluna, Barbosinha é mais um exemplo dos riscos da contaminação da polícia pela política. Foi assim que, em 5 de junho de 2021, Derrite, atual Secretário da Segurança de São Paulo, recebeu no estúdio em que gravava o programa Papo de Rota o cabo Barbosa. “Olá amigos do nosso canal, Papo de Rota! Hoje é um dia especial; eu estou muito a vontade, que eu estou trazendo um grande amigo aqui, um grande policial, um grande piloto de Rota. Depois de muita insistência, está aqui o cabo Barbosa, o Barbosinha.” O convidado responde: “Tamos junto, comandante!”

Começava ali uma conversa que durou 1 hora e 13 minutos. O cabo contou como entrou na PM, depois de trabalhar em uma agência de carros. Ficou 26 anos no “trabalho operacional”. “Nós trabalhamos juntos na Rota, no mesmo pelotão”, contou Derrite no vídeo. O então deputado pelo PP – hoje ele está no PL – entrou, em seguida, em um tema caro para a bancada da Rota. “Policial Militar que vai pra cima e troca tiro, ele é punido e é retirado da rua. É isso que aconteceu comigo e com o Barbosinha”, explicou Derrite, diante da aprovação do amigo.

A ficha do cabo Barbosa, durante sua campanha a deputado federal pelo União Brasil, o mesmo partido do então vereador Milton Leite
A ficha do cabo Barbosa, durante sua campanha a deputado federal pelo União Brasil, o mesmo partido do então vereador Milton Leite Foto: Reprodução / Estadão

A partir do 18.º minuto, Derrite entra na parte mais forte do Papo de Rota com uma pergunta: “Barbosinha, qual foi a primeira troca de tiro da sua carreira?” E o policial começa a relatar uma perseguição na Marginal do Tietê, que terminou na morte de um bandido. “Parabéns pela ocorrência, Barbosa”, concluiu o ex-comandante.

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Depois que a coluna pediu informações à Secretaria de Segurança sobre Barbosa, o vídeo do podcast de Derrite teve seu status modificado no Youtube – antes público, ele passou a ser privado, tornando-se indisponível. Esta coluna republicou-o para que os leitores possam ter acesso à informação. Em um segundo vídeo, o sargento contou como “cancelou CPFs” – gíria para matar bandidos – sob o comando do secretário. O vídeo também está aqui.

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Carreira na zona leste de São Paulo

Barbosa cresceu na zona leste da cidade. Trabalhou no 8.º Batalhão da PM, responsável pelo patrulhamento do Tatuapé, mesma região que, desde 2018, tornou-se o epicentro da guerra mafiosa que provocou a morte de chefões do tráfico do PCC. Todos viviam ali no bairro, assim como o delator da facção, o empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, executado por policiais militares a soldo dos bandidos, no aeroporto de Guarulhos, em 8 de novembro de 2024.

Em 2008, após prender uma quadrilha de ladrões de carros, o então cabo Barbosa foi convidado para se apresentar na Rota. Era um prêmio. E lá permaneceu durante dez anos. Foi no Batalhão Tobias de Aguiar, o BTA, que conheceu o tenente Derrite, de quem foi motorista e com quem trabalhou durante três anos e meio.

Em 2018, Derrite se lançou candidato e foi eleito deputado. No mesmo ano, segundo a Corregedoria da PM, Barbosinha teria se aproximado da candidata Joyce Hasselmann, depois eleita deputada federal pelo PSL. Foi isso que lhe custou o afastamento da Rota. Voltou para o 8.º Batalhão. Em 2022, passou para a reserva e se candidatou a deputado federal pelo União Brasil. Na cédula, ele era o Cabo Barbosa. Foi 458 º mais votado, com 2.350 votos, bem distante dos 89 mil votos necessários para eleger um candidato pelo seu partido.

Até aí, tudo parecia tranquilo na vida de Barbosinha. Mas, em abril de 2024, o Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público Estadual, recebeu uma denúncia sobre a suposta cooptação de policiais da Rota e de ex-integrantes da unidade para trabalhar como seguranças de megatraficantes do PCC. Eles estariam dando proteção aos bandidos, fornecendo informações de operações sigilosas e, até mesmo, executando desafetos da facção. O ofício datado de 14 de abril foi assinado pelo promotor Lincoln Gakiya.

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Cópia de mensagem de policial da Rota para diretor da empresa de ônibus Transwolff durante apuração do Gaeco
Cópia de mensagem de policial da Rota para diretor da empresa de ônibus Transwolff durante apuração do Gaeco Foto: Reprodução / Estadão

Não era a primeira vez que o Gaeco recebia esse tipo de denúncia. Em 8 de abril de 2022, o grupo produziu o Relatório Informativo nº 11. Ele tratava de conversas de diretores da empresa de ônibus Transwolff. Terceira maior empresa do setor a operar na capital, ela seria alvo em 2024 da Operação Fim da Linha, que apurou a captura de parte do sistema de transporte público de São Paulo pelo PCC.

Os promotores investigavam a denúncia de que ela lavava dinheiro da facção e verificavam a relação dos diretores da Transwolff com o então vereador Milton Leite, o todo-poderoso do União Brasil em São Paulo, partido pelo qual Barbosa disputaria uma cadeira na Câmara dos Deputados. Foi assim que os promotores surpreenderam mensagens do sargento da Rota Alexandre Aleixo Romano para diretores da empresa de ônibus.

Romano trabalhava em uma companhia da Rota até se envolver em um caso de morte em decorrência de intervenção policial, ou MDIP, no linguajar policial-judiciário. Foi transferido para a sala de rádio do batalhão. “Estamos à disposição. Sempre que você quiser proporcionar esse momentos para a sua família, independentemente do dia, é só acionar a gente”, escreveu o policial para um dos diretores da empresa, em mensagem interceptada pelo Gaeco.

Após a descoberta de seu bico como segurança da direção da Transwolff – parte dela foi presa na Operação Fim da Linha –, Romano foi obrigado a se afastar da Rota. A decisão ficou registrada em outra mensagem interceptada. Também o então cabo Barbosa, segundo a apuração da Corregedoria, participava do esquema de segurança na empresa, cujo processo para a rescisão do contrato com o poder público foi aberto em dezembro por ordem do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

O inquérito 059/319/24 aberto por determinação do corregedor

Foi em abril de 2024 que a Corregedoria da PM iniciou a investigação preliminar sobre as suspeitas de envolvimento de PMs da Rota e de outras unidades da corporação com o PCC. Durante seis meses, o caso foi apurado administrativamente até que, em 17 de outubro, a Corregedoria decidiu que havia provas suficientes para a abertura de um Inquérito Policial Militar. E, assim, foi instaurado o IPM 059/319/24, por ordem do corregedor, o coronel Fábio Sérgio do Amaral.

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Nele, o sargento Barbosa é investigado sob a suspeita de passar “informações sobre operações que seriam realizadas na Rota contra o crime organizado”. Ainda segundo o IPM, em 2022, em sua candidatura a deputado federal, Barbosa “teria utilizado veículos de uma agência para montar seu comitê, os quais tinham ligações com criminosos do PCC”. O inquérito afirma que tanto ele quanto o sargento Romano “trabalharam na sala de rádio do 1.º BPChoq (Rota) no mesmo período”. Romano passaria informações aos traficantes Cebola e Tuta. Por fim, o IPM cita o caso da segurança na Transwolff.

Portaria que abriu a investigação da Corregedoria da PM sobre a ligação de policiais da Rota e do 18º BPM com o PCC
Portaria que abriu a investigação da Corregedoria da PM sobre a ligação de policiais da Rota e do 18º BPM com o PCC Foto: Reprodução / Estadão

Em ofício enviado ao juiz Luiz Alberto Moro Cavalcanti, do Tribunal de Justiça Militar, a Corregedoria afirmou que os principais beneficiados pelos dois grupos de PMs investigados – um baseado na Rota e outro em batalhões da zona leste – eram o traficante Silvio Luiz Ferreira, o Cebola, Marco Roberto de Almeida, o Tuta, o advogado Ahmed Hassan Saleh, o Mude, além de outros bandidos do PCC.

Cebola está foragido; Tuta, desaparecido e Mude foi preso pela Polícia Federal, em 17 de dezembro, na Operação Tacitus, que apurou os achaques de policiais civis, que teriam tomado R$ 30 milhões de Gritzbach e de traficantes, a maioria morta na guerra mafiosa. De acordo com a Corregedoria, não foram só os policiais civis que enriqueceram às custas do crime organizado. Os PMs também estariam desfrutando “os lucros escusos auferidos com a venda de informações sigilosas”.

No dia 10 de novembro, dois dias depois da execução de Gritzbach, a Corregedoria pediu a quebra do sigilo telemático de 16 policiais, entre os quais o sargento Barbosa e o sargento Romano. Na lista havia outros quatro colegas de Barbosinha, que acabaram presos ao lado de outros 11 PMs, na quinta-feira, dia 16: o tenente Giovanni Garcia e os praças Samuel Tillvitz da LuzAlef de Oliveira Moura e Talles Ribeiro. Os quatro estariam envolvidos com a escolta de Gritzbach.

O cabo José Roberto Barbosa de Souza, o Barbosinha, que trabalhou na Rota com Derrite, e agora é investigado pela Corregedoria da PM
O cabo José Roberto Barbosa de Souza, o Barbosinha, que trabalhou na Rota com Derrite, e agora é investigado pela Corregedoria da PM Foto: Polícia Militar

A operação que capturou 14 policiais da segurança do delator do PCC e um cabo acusado de ser um dos executores do empresário nasceu dentro do inquérito que apurava as ligações de policiais da Rota com o PCC. Foi ali que a Corregedoria resolveu apurar a morte de Gritzbach, que envolvia outro grupo de PMs, a maioria do 18.º e do 23.º Batalhão da PM – alguns PMs que escoltavam o empresário eram amigos dos investigados por receber dinheiro do PCC.

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Desde então, não há registro no IPM de fatos novos que envolvam veteranos da Rota, como o ex-sargento da Rota Farani Salvador Freitas Rocha Junior, que sempre negou trabalhar para o PCC – ele agora é assessor de um deputado federal. Além de Farani, o IPM apurava ainda a atuação dos PMs da Agência de Inteligência da Rota, entre eles um cabo que abriu o Rota’s Bar, na zona leste, que seria frequentado por policiais.

Dinheiro sujo estaria por trás de policiais que ostentavam uma vida passada em iates e em meio a carros de luxo, exibidos em redes sociais, o que, para os investigadores, demonstraria um padrão de vida incompatível com os salários da PM. Tudo isso fez o ex-comandante da Agência de Inteligência da Rota, um capitão, tornar-se suspeito de ter sido negligente diante da conduta dos subordinados.

Trecho do IPM que trata das acusações contra o sargento Barbosa, motorista de Derrite na Rota: secretário diz policial investigado por supostas ligações com o PCC é um 'grande amigo'
Trecho do IPM que trata das acusações contra o sargento Barbosa, motorista de Derrite na Rota: secretário diz policial investigado por supostas ligações com o PCC é um 'grande amigo' Foto: Reprodução / Estadão

Por fim, entre as missões que os PMs receberam do PCC estava a de localizar um ex-chefe da facção Emivaldo da Silva Santos, o BH, que aceitou colaborar com o Gaeco e entrou para o programa de proteção à testemunhas após fracassar na tarefa de resgatar Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, do presídio em que o líder máximo do PCC estava .

As perguntas e a nota da Secretaria de Segurança

A coluna pediu à Secretaria da Segurança informações a respeito da apuração das condutas do sargento Barbosa, como diligências e medidas cautelares. Também questionou sobre quanto casos de morte em decorrência de intervenção policial o sargento se envolveu em sua carreira e em quantos desses ele trabalhava sob o comando de Derrite, na Rota. Também indagou se o secretário chefiava o sargento quando o policial disse ter “cancelado um CPF” em Guarulhos.

Igualmente foi perguntado se o secretário ainda mantém laços de amizade com o sargento bem como quando se falaram ou se encontraram pela última vez. Por fim, a coluna questionou se a Corregedoria da PM enviou cópia das partes do IPM 059/319/24 à Procuradoria Regional Eleitoral a fim de que supostas irregularidades na campanha do sargento a deputado fossem investigadas pela PF, já que esta é a polícia competente para apurar delitos eleitorais.

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Na tarde de domingo, a secretaria respondeu que: “O Inquérito Policial Militar citado segue em andamento, e detalhes serão preservados por conta do segredo de Justiça, uma vez que qualquer divulgação pode comprometer as investigações”. A nota continua, afirmando que “o secretário Guilherme Derrite teve contatos esparsos com o policial citado (Barbosa) quando atuou na Rota, há cerca de 15 anos, bem como atuou ao lado de centenas de policiais ao longo da sua carreira”. E conclui: “Associar a conduta de outros policiais ao secretário trata-se de mera ilação”.

O documento falso usado pelo traficante do PCC Silvio Luiz Ferreira, o Cebola : ele teria pagado propina aos policias militares
O documento falso usado pelo traficante do PCC Silvio Luiz Ferreira, o Cebola : ele teria pagado propina aos policias militares Foto: Reprodução / Estadão

Por fim, a secretaria conclui: “A Polícia Militar é uma instituição legalista, que não tolera desvios de condutas e possui uma Corregedoria atuante para punir com severidade os agentes que descumprem as normas e protocolos da corporação e transgridem a lei”. Eis a íntegra da nota. A coluna não conseguiu achar a defesa do sargento Barbosa. Também não conseguiu localizar os defensores do sargento Romano, bem como dos demais PMs investigados.

Na quinta-feira passada, durante a entrevista coletiva convocada pela Secretaria da Segurança sobre as prisões de PMs, ninguém tratou da parte do IPM da Corregedoria que investiga os homens que trabalharam na Rota. Quem conhece a história, diz que ela é muito mais grave do que a dos PMs da escolta de Gritzbach. Diante das perguntas ainda no ar, duas outras podem ser acrescentadas: qual o alcance da contaminação na polícia? E o que os investigados podem contar sobre suas ações dentro e fora da Rota? A Segurança Pública não pode ficar com a respiração suspensa à espera das respostas.

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