O número de motociclistas e passageiros de motos mortos em acidentes cresceu em 29 dos 39 municípios da região metropolitana de São Paulo desde 2022.
O período coincide com o início da oferta do serviço de caronas em motocicletas por aplicativo, com o crescimento da frota na região e também com o retorno do trânsito ao padrão pré-pandêmico nas principais avenidas da capital paulista.
As cidades de Guarulhos, Franco da Rocha, Santo André, São Bernardo do Campo e Suzano estão entre aquelas com os maiores aumentos de letalidade, mostra o Infosiga, sistema de monitoramento da letalidade no trânsito do governo estadual. Todas elas contavam com a oferta das modalidades Uber Moto e 99 Moto nesse período, anterior à sua chegada na capital.
O serviço de carona em motocicletas está no centro de uma disputa jurídica entre as empresas e a Prefeitura de São Paulo, que proíbe a atividade. Enquanto as companhias dizem que o aumento de mortes não pode ser atribuído aos aplicativos —a estatística não distingue motociclistas comuns daqueles que oferecem carona— e que a proibição é ilegal, a gestão Ricardo Nunes (MDB) produziu um relatório que fala em "riscos à saúde pública" caso o serviço seja liberado.
A Justiça ordenou a suspensão imediata da atividade na última segunda-feira (27), acatando um pedido da prefeitura.
Enquanto a Uber diz que seu serviço de carona em motos é oferecido em toda a região metropolitana de São Paulo, a lista da 99 deixa de fora apenas as cidades de Juquitiba, Pirapora do Bom Jesus, Salesópolis, São Lourenço da Serra e Vargem Grande Paulista.
As mortes de motociclistas e passageiros foram responsáveis pela maior parte do aumento na letalidade do trânsito da região, já que cresceram em proporção acima da média de outros modais —como pedestres, ocupantes de automóveis, bicicletas, caminhões e ônibus.
Antes da pandemia, em 2019, as motos respondiam por 38% das mortes no trânsito na região. Em 2024, essa proporção chegou a 46%. Na comparação de 2022 a 2024, as mortes de ocupantes de moto cresceram 23% (de 777 para 957). Já as mortes no conjunto de todos os outros modais aumentou menos de 10% (de 1.003 para 1.103).
Os condutores de motos são as maiores vítimas do trânsito: quatro a cada dez mortos nas ruas da região metropolitana no ano passado conduzia uma motocicleta. Mas as mortes dos passageiros também cresceram, com 98 vítimas no ano passado, maior número da série histórica.
Em Franco da Rocha e São Bernardo do Campo, o aumento de mortes ocorreu enquanto as prefeituras falhavam na tentativa de impedir a prestação dos serviços. Decisões judiciais do Tribunal de Justiça, em 2023, cancelaram os efeitos de um decreto e uma lei municipal que proibiam a atividade.
Nos dois casos, o argumento que prevaleceu é que o município não tinha autoridade para proibir uma modalidade prevista em lei federal. A prefeitura de São Bernardo, inclusive, tinha a morte de uma passageira como um de seus argumentos pela proibição.
Em 8 de julho de 2023, na avenida João Firmino, em São Bernardo, um motociclista levava uma mulher de 36 anos na garupa quando colidiu com um caminhão. O impacto fez a passageira ser arremessada em direção ao asfalto, e em seguida, ser atropelada por outro veículo. Ela morreu.
Naquele mesmo ano, 55 pessoas morreram no trânsito da cidade enquanto viajavam de moto, um aumento de 96% em relação ao ano anterior. Embora o número tenha caído no ano passado, com 43 mortes, ainda é 53% maior do que em 2022.
Os serviços 99 Moto e Uber Moto passaram a ser oferecidos na região metropolitana de São Paulo principalmente em 2022. Eles convivem com grupos de mototaxistas clandestinos que já ofereciam o serviço, acionados por telefone ou grupos de mensagem, principalmente em terminais de ônibus.
Nas vias da região metropolitana de São Paulo circulam 322 mil motocicletas a mais hoje do que há três anos. No mês passado, segundo dados da Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito), a frota na região chegou a 2,2 milhões. Em dezembro de 2021, eram 1,9 milhão de veículos.
Para o engenheiro Sergio Ejzenberg, o aumento no número de mortes no trânsito não pode ser atribuído apenas aos aplicativos de carona. Ele afirma que há fatores mais importantes que explicam a alta na letalidade do trânsito, principalmente a queda nas multas aplicadas pela prefeitura paulistana.
Para o engenheiro, a capital vive uma fuga de passageiros do modal mais seguro —o transporte público— e que o modal mais perigoso, a moto, absorve parte dessa demanda. Com isso, o número de mortes aumenta.
"Mas é impossível proibir algo que atende uma necessidade premente da população. A alternativa é viajar apertado por mais de duas horas dentro de um ônibus", diz. Por isso, ele defende regulamentar a atividade.
A Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), que tem Uber e 99 como associadas, disse em nota que sistemas como o Infosiga "não estabelecem correlação entre os sinistros de trânsito e os aplicativos". A entidade destaca que "os 800 mil motociclistas cadastrados nas três maiores empresas do setor representam apenas 2,3% da frota nacional de 34,2 milhões de motocicletas, motonetas e ciclomotores".
Ressalta, ainda, dado da Senatran que aponta que 53,8% dos motociclistas no Brasil não têm habilitação —uma obrigatoriedade para o cadastro nos aplicativos.
Em nota, a 99 disse que os dados de horário dos acidentes fatais indicam que as mortes não estariam relacionadas com a plataforma. A empresa diz que a maior parte das mortes envolvendo motocicletas ocorrem aos fins de semana e durante a madrugada, e que 43% dos condutores mortos têm até 29 anos.
"As viagens em apps possuem perfil muito diferente: o condutor da 99 tem em média 34 anos e 70% das corridas acontecem entre 6h e 18h", diz a empresa.
Procurada, a prefeitura de São Bernardo afirmou que a alta de mortes no trânsito é resultado "de uma combinação de fatores, além do início da oferta de corridas por aplicativos". Também disse que realiza estudos técnicos para melhorar a segurança de motociclistas e que investe na melhora da sinalização viária e em outras ações.
A prefeitura de Guarulhos afirmou que deu início a estudos para regulamentar o transporte de passageiros por moto na cidade. Além disso, afirmou que monitora o número de acidentes, identificando pontos críticos que necessitam de adequações, e que não há comprovação de correlação entre número de mortes e os aplicativos de carona.
Já a prefeitura de Suzano afirmou que não há regulamentação do serviço de mototáxi no município e nem previsão para que isso ocorra, e que "acompanha com preocupação os índices de letalidade no trânsito", tomando medidas como campanhas de conscientização e melhora da sinalização.
A prefeitura de Santo André listou ações como a implantação da faixa azul exclusiva para motos e a elaboração de planos que devem orientar as ações de segurança no trânsito.
A prefeitura de Franco da Rocha não respondeu ao questionamentos da reportagem.
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