quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Adeus, igrejas? A ascensão dos sem religião no Brasil, FSP

 

Rodrigo Toniol

Professor de antropologia da UFRJ, é membro da Academia Brasileira de Ciências

A relevância das pessoas sem religião como um grupo importante no Brasil não é uma novidade para os pesquisadores da área. No entanto, parece ainda causar espanto quando se demonstra que, em 2020, segundo o Datafolha, o Brasil já tinha três vezes mais pessoas sem religião do que espíritas e cinco vezes mais do que candomblecistas e umbandistas. Por que se fala tão pouco sobre esse grupo e quem são essas pessoas?

Vamos ver alguns números. Em 2022, uma pesquisa do Datafolha revelou que 34% dos jovens cariocas e 30% dos paulistas entre 16 e 24 anos se declaram "sem religião". Nas pesquisas de todos os institutos, inclusive segundo os dados do IBGE, o terceiro maior grupo "religioso" no Brasil já é o dos sem religião — atrás dos católicos e evangélicos, respectivamente.

Esses dados contundentes refletem uma tendência nacional: o grupo "sem religião" é o que mais cresce no Brasil, saltando de 8% da população em 2010 para quase 15% atualmente. As informações são do Aliança Lab, grupo de pesquisa que agregou os resultados de estudos nacionais realizados pelos institutos Datafolha, Quaest e CNT desde 2012.

A imagem mostra a parte inferior de uma pessoa encostada em uma parede de tijolos. A pessoa está usando uma camiseta azul e jeans escuros, segurando um caderno preto. O ambiente parece ser um corredor com piso de pedras e uma iluminação suave ao fundo.
Os sem religião são um grupo cada vez maior, que tem redefinido a relação com o sagrado - Pexels por Pixabay

Participei de mais de uma centena de bancas de teses e dissertações ao longo dos últimos anos e não chegam nem a cinco os trabalhos sobre "sem religião" que acompanhei. O número reduzido de pesquisas sobre o tema não é necessariamente uma falta de atenção dos sociólogos e antropólogos brasileiros. A dificuldade está relacionada ao caráter heterogêneo daqueles que se autodeclaram sem religião.

Ao contrário dos religiosos, não podemos encontrá-los reunidos em um mesmo espaço, identificar valores morais comuns ou reconhecer doutrinas e tradições que os congreguem. Sem pesquisa empírica e por conta da falta de uma identidade clara, mesmo sendo numericamente expressivos, os sem religião são de difícil definição.

Ainda assim, podemos identificar algumas pistas sobre esta população. Engana-se, por exemplo, quem imagina que os sem religião sejam necessariamente ateus ou agnósticos.

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Como o estatístico José Eustáquio Diniz Alves já demonstrou, se considerarmos os dados do Censo de 2010, apenas 4% daqueles que se declararam sem religião se identificavam como ateus e menos de 1% como agnósticos. Ou seja, 95% daqueles que se dizem sem religião estão mais próximos da posição de quem acredita em Deus, mas não se sente confortável com nenhuma religião.

Os sem religião, portanto, podem inclusive ser religiosos, mas se reconhecem na recusa às instituições mediadoras, como igrejas, terreiros e templos.

Ao mesmo tempo, no grupo dos sem religião também podemos encontrar muitos "experimentadores". Como a socióloga Danièle Hervieu-Léger mostrou em suas pesquisas sobre o tema, não é incomum que as pessoas que se identifiquem como sem religião sejam frequentadoras de atividades religiosas. No entanto, nunca aderem integralmente a nenhuma delas, permanecendo em uma errância religiosa constante.

A ascensão dos sem religião no Brasil é um movimento silencioso, que pode se intensificar nas próximas décadas e, quem sabe, abalar as estruturas de poder baseadas em instituições religiosas.

Esqueça os estereótipos. Os "sem religião" não são ateus revoltados ou jovens sem fé. Trata-se de um grupo cada vez maior, que tem redefinido a relação com o sagrado. Eles questionam as instituições, subvertem a lógica das comunidades de fé e desafiam o dogmatismo institucional.

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