A correção das provas da segunda fase do maior vestibular do país envolve planejamento, controle, conhecimento técnico e um elevado grau de sensibilidade. Mais de 350 corretores se dividem em nove bancas, sob a coordenação de experientes docentes da USP, realizando a correção de 46 diferentes questões e da redação. Certamente, uma operação em que estratégia é a marca fundamental para se alcançar a desejável padronização dos critérios e sua efetiva aplicação no processo de correção.
Em sua condução, os coordenadores definem os times de corretores que se dedicarão a cada questão, analisam as respostas esperadas pela banca de elaboração (que foram divulgadas previamente, reforçando a transparência do vestibular), realizam testes de correção em um número pequeno e estatisticamente selecionado de respostas, afinam os critérios e passam, finalmente, à correção efetiva.
Nela, cada questão é avaliada pelo menos duas vezes, por corretores independentes. Havendo discrepância, há uma terceira correção e, quando necessário, o coordenador da banca realiza o arbitramento da nota, procedendo a uma quarta correção. Tal mecanismo garante a harmonização das notas dos candidatos para as vagas da USP.
Durante o processo, normalmente no primeiro ou no segundo dia de correção, é possível que as bancas suspendam as atividades para discutir outras possibilidades de se responder às perguntas e que derivam da linha de raciocínio utilizada pelos candidatos. Aqui, a sensibilidade dos corretores, aliada ao conhecimento técnico que detém, é essencial para que soluções criativas e adequadas sejam valorizadas.
Esse traço de sensibilidade é uma diretriz da qual as bancas não devem se afastar, pois esse é o mecanismo humano fundamental de um processo que é, desde o início, carregado de tensão para todos os envolvidos, sobretudo os candidatos.
Na correção da redação, a sensibilidade é ainda mais essencial, mas por outras razões. Eivada de um caráter autoral, a redação dos candidatos costuma se ater ao gênero textual e enfrentar o tema propostos, com nuances diversas. No entanto, também é comum que a redação seja usada para o extravasamento de questões pessoais que afligem aquela pessoa que a redige. Pedidos de socorro para enfrentar a solidão, a depressão, a ideação suicida e até o assédio e o abuso podem se enovelar com o desenvolvimento do texto.
Há dois anos, contamos com a colaboração de uma docente do Instituto de Psicologia da USP, com quem são discutidas redações que tenham chamado a atenção dos corretores.
No vestibular 2024, uma das redações se caracterizou como um claro pedido de socorro ante a ideação suicida que acometia a pessoa que a elaborou. No vestibular 2025, nos defrontamos com uma denúncia de abuso de natureza sexual. Obviamente, situações como essas exigem um tratamento profissional que permita, ainda, resguardar a identidade do candidato ou da candidata.
Nesse contexto, a coordenação da banca de redação aciona a Diretoria da Fuvest, que, por sua vez, toma duas providências: em primeiro lugar, acionamos a docente para que ela analise a redação pelo viés clínico, o que exige o manejo de todo o repertório que a psicologia e a psicanálise lhe oferecem; em segundo lugar –e apenas se ela entende que a situação recomenda sua intervenção, a Diretoria aciona a área técnica para descobrir a identidade do autor ou da autora da redação.
Nos dois casos mencionados, a docente entrou em contato com as pessoas, identificando-se como alguém da equipe da Fuvest, e ofereceu a oportunidade de escuta.
O retorno que a Diretoria teve foi alentador. Num dos casos, a pessoa aceitou conversar e acolheu o encaminhamento proposto pela docente. No outro, a pessoa informou que ter escrito a redação lhe deu forças para procurar auxilio profissional e agradeceu a oitiva da Fuvest. Em ambos, todavia, foi marcante o traço de gratidão dos envolvidos para com o olhar sensível que a Fuvest, em meio àquela operação de enorme complexidade e responsabilidade antes descrita, demonstrou para com a situação vivenciada por cada qual.
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