Para que a Justiça não erre; para que seja funcional; para que condene quem tenha que ser condenado e absolva quem deva ser absolvido; para que aplique a pena correta, pois não é somente a impunidade que corrói a legitimidade da ordem jurídica e a confiança das pessoas no sistema de justiça criminal, mas a pena errada ou excessiva também.
A Justiça, assim como qualquer ação emanada do Estado, tem que ser eficaz e amparada na legalidade. O processo penal e o direito de defesa servem justamente para dar as suas respectivas contribuições em direção a esses objetivos.
É um equívoco entender o exercício do direito de defesa como algo que atrapalhe. É justamente o contrário: a resistência ao ius puniendi obriga que os atores da justiça criminal superem seus erros, o que otimiza a administração da justiça, trazendo qualidade ao provimento jurisdicional.
Diminuir os espaços para o exercício da defesa diminui a qualidade das decisões judiciais. É o que vai acontecer caso a resolução 591/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vingue, pois ela acabará de vez com os julgamentos públicos e o direito à sustentação oral.
Referida resolução define a sessão de julgamento eletrônico como "aquela ocorrida em ambiente virtual de forma assíncrona" (art. 1ª, parágrafo único). Nesse contexto, os votos serão lançados pelo sistema e a sustentação oral será gravada e enviada também por este meio. O que, em bom português, equivale a dizer que o CNJ deu o primeiro passo para a extinção completa das sessões públicas de julgamento, algo inédito na história do direito.
Tanto o contraditório como o exercício de uma defesa ampla são direitos assegurados aos acusados em geral e têm como função garantir a verificação do acerto ou do erro da acusação. Como se há de entender, portanto, que a extinção dos julgamentos públicos, primeiro passo para que outros espaços para o exercício da defesa sejam extintos também, contribuirá para o aprimoramento da Justiça?
Um processo penal idôneo deve possibilitar a oitiva da pessoa acusada e de quem a representa legalmente, oportunizando que se manifestem sobre a prova produzida e sobre a acusação formulada, o que mitiga o erro. Vale lembrar que o objetivo do sistema jurídico criminal é a resposta penal funcional, nunca excessiva, e acima de tudo, correta.
O contraditório e o direito de defesa compõem o centro de gravidade de todo o sistema jurídico penal, pois é a partir da observância rigorosa desses direitos que se dará o fato por esclarecido de forma que todas as consequências jurídicas possam ser retiradas dele. É um contraditório efetivo que dará ao juiz condições adequadas para verificar, em caso de condenação, a resposta penal funcional, verificando, a partir do espaço destinado ao acusado e seu representante legal, o atingimento das finalidades do direito.
É por isso que o juiz e os tribunais devem evitar ao máximo indeferimentos de provas da defesa e não podem propor o fim dos julgamentos públicos e do direito à sustentação oral, pois essas medidas diminuirão a qualidade dos provimentos jurisdicionais e aumentarão os espaços para os erros. Se acontecer, isso corroerá o direito por dentro, diminuindo ainda mais a legitimidade do Poder Judiciário.
O processo penal é feito por etapas. Durante o inquérito policial, investiga-se; na primeira parte do processo penal, acusa-se se for o caso; ao final dessa fase, a defesa ganha proeminência processual, devendo ser ouvida. Na reta final do rito processual, as partes falam e o juiz decide. Se for verificada a culpa, a pessoa acusada receberá a pena correta.
Assim fazendo, estar-se-á aplicando a função comunicadora do direito de forma idônea. O efeito será a legitimidade da intervenção penal e, por consequência, a implementação de uma política pública criminal funcional, cujos resultados esperados são a contenção da violência, diminuição da criminalidade, maior sucesso na implementação dos programas de segurança pública e garantia dos direitos fundamentais.
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