Pouco antes de assumir em 1990 com um plano econômico que devastou o país, Fernando Collor de Mello dizia que queria ver "a direita indignada e a esquerda, perplexa", dando três meses para o impacto de suas ações.
Ao gosto da velocidade de 2025, Donald Trump precisou de apenas poucas horas entre sua posse e a primeira fala sobre o Brasil para inverter a equação, deixando a esquerda encarnada no petismo federal indignada e a direita, que vive principalmente em Jair Bolsonaro e seus acólitos, perplexa.
O desprezo com que tratou a pergunta sobre o Brasil da repórter Raquel Krähenbühl, da Globo, foi eloquente do real papel dedicado ao país em seu enorme inventário de prioridades. "Eles [os brasileiros] precisam muito mais de nós do que nós precisamos deles. Na verdade, não precisamos deles, e o mundo todo precisa de nós", disse.
Trump falava a verdade, ainda que sua arrogância sugira uma insegurança imperialista, de chutar os mais fracos enquanto mede palavras para tratar da China. O Panamá que o diga.
Ao menos o americano ainda não resolveu que a Amazônia pode ter o mesmo destino do canal que ele pretende retomar, falando com desassombro em um discurso de posse. Noves fora a bravata, o risco para os panamenhos é real, calcado na história americana.
No Brasil, ninguém fica pior na foto do que Bolsonaro e os seus. Ao ex-presidente, restou a vergonha do chororô no aeroporto enquanto a mulher partia para um evento para o qual não fora convidada.
A genuflexão ante aquele que chama de "meu ídolo" precede seu mandato, e o incrível pareamento de fatos na ascensão em queda dos dois populistas, com a sequência eleição meteórica-governo caudaloso-golpismo-derrota fazendo os bolsonaristas suspirarem por um epílogo tropical análogo ao americano, com a volta ao poder.
Contra isso conspira a realidade de que Bolsonaro está muito mais enrolado com a Justiça, inclusive com inelegibilidade até 2030. Achar que Trump irá pressionar Lula (PT), Alexandre de Moraes (STF) ou o papa a perdoá-lo é um exercício de imaginação.
Ainda assim, como a caravana dos Bolsonaro até um baile em Washington mostrou, o que vale é o corte para a rede. Neste sentido, Pablo Marçal foi bem mais rápido: enquanto Eduardo fazia uma chamada de vídeo com o pai, o influenciador arrancou um "nós amamos o Brasil" de Trump no mesmo evento.
Importância política disso é zero, mas funciona para incautos. Outro que passou vergonha foi Tarcísio de Freitas (Republicanos), que ainda trata Bolsonaro como chefe no discurso —a realidade de como se afastar sem perder o eleitorado do ex-presidente é mais complexa.
O governador paulista colocou o bonezinho vermelho do Maga, símbolo do trumpismo, e repetiu o bordão bolsonarista "Grande dia!" em rede social. Poucas horas depois, o homem que tem pretensão de ocupar o Palácio do Planalto viu Trump tratar o Brasil como um sub-Panamá, já que nem canal vital temos.
É claro que Trump ainda pode fazer gestos ao bolsonarismo, como já fez no passado, e para a lógica de redes da turma o problema será mitigado. Ele também pode mudar de ideia e achar que há negócios a serem feitos por aqui. Mas o momento atual é de constrangimento.
Tudo isso fez a delícia da esquerda virtualizada. O problema é que há uma esquerda de verdade no poder, e ela terá de lidar com Trump na prática. Não é casual que Lula tenha sido cauteloso ao falar do americano, dizendo que não tem interesse em brigar com os EUA.
Por evidente, é um conflito destinado a dar errado para o Brasil, e os chistes trumpistas serão um teste diplomático. Com Joe Biden, a relação foi péssima por culpa do antiamericanismo pueril do governo.
A gestão do democrata nunca perdoou o fato de ser tratada como inimiga após ter bancado a vitória de Lula abertamente, algo definitivo para demover o Alto-Comando do Exército de qualquer ideia nos golpistas meses finais de 2022.
Agora, a chave está na China. Até aqui, Trump corteja uma relação com Xi Jinping. Se alienar o Brasil, Lula poderá cair no colo do mandarim de Pequim de uma forma indesejável à sua diplomacia hoje, que prefere ver o país como um ator independente na Guerra Fria 2.0.
A presidência rotativa dos Brics neste ano é um palco para isso, mas também uma armadilha, pois Xi poderá tanto voltar a usar o bloco a seu favor como relegá-lo a segundo plano se antever vantagens num relacionamento mais cordial com Trump.
Pelo sim, pelo não, Xi passou 1h35min ao vídeo com o russo Vladimir Putin após a estreia barulhenta do republicano. Lula poderá indignar-se com as diatribes de Trump, mas sem o peso geopolítico dos aliados, terá dificuldade de dançar sozinho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário