Antigamente, como todos sabem, éramos governados por reis, de acordo com o que se chamava a Grande Cadeia do Ser. A cadeia descia de Deus até o rei ungido, chegando depois aos aristocratas, depois às pessoas comuns, então aos maridos e, abaixo deles, às esposas, e bem lá no fundo o cachorro da família. (Em inglês, nós, amantes de cachorros, gostamos de salientar, a palavra "cachorro" —"dog"— é "Deus" escrito ao contrário. Infelizmente, isso não funciona em português.)
A Grande Cadeia foi feita para parecer natural. Se você nascesse uma leiteira, você deveria, parece que pela vontade de Deus ao fazer de você uma leiteira, permanecer assim por toda a vida. Não adiantaria aprender a ler. O Talibã no Afeganistão tem um plano desses para as mulheres. Nada de escola para as meninas. Fiquem onde Alá as colocou. É o plano natural de Deus que os homens devem governar.
Na outra ponta da Grande Cadeia, o rei era o pai. E os pais, como o paterfamilias romano, deveriam ter o total domínio na casa. Um pai romano poderia, se quisesse, executar seus filhos. Sério. Você pode imaginar o domínio dele sobre a esposa. É por isso que as mulheres tiveram tão pouca influência na história romana, exceto por seu papel crucial de criar meninos para se tornarem pais, soldados e governantes romanos. Em 1598, Jaime 1º da Inglaterra, mantendo a noção do "direito divino dos reis" para o modelo do direito divino dos maridos, escreveu pouco antes de herdar a coroa da Inglaterra: "Comunidades bem governadas, no estilo Pater patriae, sempre foram... habituadas aos reis". Pode apostar. A maioria dos ingleses na época concordou, embora ao longo do século seguinte muitos tenham mudado de ideia.
Hoje, dizem, nós escolhemos nossos presidentes, não é? Sem reis, hem? O Parlamento inglês em 1688 escolheu Guilherme e Maria em vez do neto deposto de Jaime 1º. A monarquia constitucional começou assim, segundo conta a história. Na verdade, a Polônia há muito tempo tinha reis eleitos. E "eleitores" poderosos escolhiam o novo imperador alemão. Mas este sempre acabou sendo o seguinte na fila da família Habsburgo. No entanto, George Washington recebeu a oferta da coroa e não a aceitou. Viva para nós.
Mas espere. Um presidente moderno tem poderes reais, de um tipo que uma mulher moderna nunca concederia ao marido. Coerção com metralhadoras. Polícia secreta. Burocracia maciça. Um Estado moderno tem poderes que Luís 14 ou Pedro 2º invejariam.
Nós os escolhemos? Bem, sim, de certa forma, mas uma maioria não é "nós". Para quase todas as questões, da guerra ao aborto, não existe "a vontade geral", a "riqueza comum" de que Jaime falou. Vontade e riqueza não são gerais ou comuns. São pessoais.
Um voto majoritário, como provaram Condorcet no século 18 e Kenneth Arrow no século 20, até de forma matemática, certamente não é a vontade geral. Sim, como Churchill repetia, "a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras formas que foram experimentadas". Sim, a dignidade do voto é crucial para o liberalismo moderno.
Nós nos acostumamos a considerar os presidentes como "reis por um mandato". Eu repito: cuidado.
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