sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Gustavo Alonso Gilberto Gil prova do próprio veneno, FSP

 Dez anos atrás, o tropicalista Gilberto Gil defendeu a censura a biografias não autorizadas. Esta semana ele foi vítima do próprio veneno.

A turnê de despedida de Gilberto Gil, intitulada Tempo Rei, quer mostrar todas as facetas históricas do artista genial. Começará dia 15 de março em Salvador, dura todo 2025, e termina em Recife em 22 de novembro.

Para fazer um balanço histórico da obra de Gil, os produtores pensaram em exibir momentos históricos do baiano num telão. Um deles é o festival da TV Record, de 1967, no qual Gil saiu consagrado em segundo lugar com a canção "Domingo no Parque".

fotografia em preto e branco mostra Gilberto Gil sentado, tocando violão e cantando ao microfone
Gilberto Gil e Os Mutantes tocam "Domingo no Parque" - Acervo UH - 1967/Folhapress

Normalmente, o uso desse tipo de documento histórico não é cobrado. Afinal, eles estão ali para ilustrar a relevância histórica do artista, não para lucrar diretamente em cima das imagens.

Mas a TV Record exigiu US$ 10 mil pelo uso de parcos segundos da apresentação histórica. A produção de Gil recusou-se a pagar o valor. E deu-se o impasse que está nos tribunais.

Gil não consegue ter acesso a fontes de sua própria biografia, mesmo que seja com o intuito pedagógico e histórico de narrar sua própria carreira. Num mundo onde tudo é dinheiro, até a educação, a cultura e a história tornam-se dominados pelo cifrão.

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O curioso é que, embora agora seja a vítima, Gil outrora foi o algoz. Enquanto foi ministro da Cultura, o baiano não moveu uma palha em nome da liberdade de expressão dos biógrafos, cuja discussão vinha sendo remoída na sociedade desde 2007, quando houve a censura da biografia não autorizada de Roberto Carlos, escrita por Paulo César de Araújo.

Em 2013, sob o pretexto de "respeito a privacidade", grandes músicos da MPB do quilate de Chico BuarqueCaetano VelosoMilton NascimentoDjavan, Gilberto Gil, Erasmo e Roberto Carlos mobilizaram o grupo Procure Saber, inicialmente uma instituição criada para cuidar de direitos autorais, para perseguir biógrafos. Na visão dos artistas-censores da MPB, toda biografia deveria ser previamente autorizada pelo biografado, pois, como disse Roberto Carlos à época: "Eu me considero dono da minha história."

De nada adiantava dizer que uma biografia é o retrato de uma época. Por trás dos gênios publicamente louvados, o bom biógrafo mostra os paroxismos e descaminhos de trajetórias complexas e tortuosas diante do contexto de cada época.

Mas, para os gênios da MPB, os biógrafos estavam simplesmente "lucrando" através da narrativa da trajetória de outrem. Pelo bem da democracia, os mitos da MPB foram derrotados em sessão do STF em 2015, que decidiu a favor da liberdade de expressão.

Pois agora, em pleno 2025, Gil busca usar o trecho de um programa de TV como documento histórico, para narrar sua própria trajetória. Mas esse documento não lhe pertence.

De fato, se ele quisesse revender o vídeo do festival da Record de décadas atrás, deveria pagar para tal. Mas Gil não quer isso. O baiano quer usar o vídeo como ilustração de sua atuação na cultura brasileira. Mas, paradoxalmente, sua história não lhe pertence.

Gil está correto em lutar por seus direitos. Mas até hoje não fez autocrítica sobre seu posicionamento de dez anos atrás, quando militou contra a liberdade de expressão dos escritores. Agora, ao querer escrever sua própria história, Gil é confrontado com seu próprio espírito censor.

Como diz o ditado popular, pimenta nos olhos dos outros…

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