Hiran Gonçalves
As bets chegaram de maneira avassaladora ao Brasil. Tornaram-se quase onipresentes em eventos esportivos, no patrocínio de celebridades ou influencers com poderosos perfis na internet. O jogo está à distância de uma tela de celular e o número de apostas passa anualmente dos 110 milhões, o que nos torna o campeão mundial dessa modalidade eletrônica, na frente dos Estados Unidos.
É um mercado que gera renda, impostos, empregos e financia diversas atividades no país. Porém existe um outro lado da moeda. A cada dia, são milhões de pessoas que, no sonho de uma alcançar uma vida melhor, apostam o que têm e o que não têm, entregando bilhões de reais a essas empresas. Há casos de vícios devastadores em que jogadores compulsivos perdem todo seu patrimônio. Se não debruçarmos sobre o assunto e buscarmos uma solução negociada urgente –seja por regras de publicidade ou restrições às empresas que lucram a partir de uma atividade insidiosa– o preço que a sociedade vai pagar será alto e irreversível.
A questão é tão grave que a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviço e Turismo estima que 1,3 milhão de pessoas entraram em inadimplência por causa dos jogos. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes considera que a baixa de faturamento do setor em período de crescimento econômico se deve ao fato de consumidores deixarem de se alimentar para utilizar seus recursos nos aplicativos. Mesmo beneficiários do programa Bolsa Família têm usado o dinheiro do programa para jogar.
Há algo perverso de certos jogos online hoje, na prática, à disposição de qualquer um com um celular. Os algoritmos são programados para retirar dinheiro das pessoas. Muitas vezes por meio de estratégias claramente ilusionistas como oferecer créditos para, logo depois, deixá-los no prejuízo.
Figuras públicas assinam contratos com ganhos correlacionados com a perda dos clientes, provocando um ciclo perverso. Há suspeitas de evasão de divisas para o exterior via usos de laranja, como temos investigado na CPI das Bets. Em que pese a regulação ter sido discutida por três governos federais, até a promulgação da Lei das Bets em 2023, temos um caso em que o esforço de regulação come poeira frente a consequências imprevisíveis. Mostra reportagem na revista piauí, por exemplo, que o Ministério da Saúde foi praticamente deixado de lado na discussão de como o setor deveria funcionar.
Para se ter uma ideia, num primeiro momento foi autorizado o funcionamento apenas de empresas de apostas esportivas. Na sequência, entretanto, a liberação dos jogos online, como o famigerado jogo do tigrinho, transformou cada celular brasileiro numa roleta online e programada para tirar dinheiro do apostador.
A simples proibição não será uma medida eficaz. Vai gerar um mercado ilegal e poderoso –sabemos que o poder público não tem recolhido impostos desde que a aposta esportiva chegou ao Brasil. É preciso implantar alternativas. Contamos com experiências bem-sucedidas de mitigar consequências danosas de certas práticas sem partir para medidas radicais. Devido a medidas como restrição à publicidade, alertas dos riscos, entre outras, o consumo de cigarros no Brasil caiu 35% desde 2010, de acordo com a OMS.
A publicidade do tabaco era rotineira nos meios de comunicação, nas atividades esportivas e buscava passar uma falsa imagem de estímulo a uma vida saudável. Hoje a sociedade entendeu os riscos do cigarro e vê com naturalidade as restrições e medidas educativas implantadas.
Talvez, com relação às bets, será imperioso fazermos um movimento semelhante ao que ocorreu com o tabaco e, mais tarde, com a bebida alcoólica. Regular a publicidade do setor, principalmente em relação aos jogos que não tenham relação com atividades esportivas. A situação atual é insustentável. Se nada for feito, o risco é imenso, sobretudo para quem tem menos renda e é diariamente iludido e enganado.
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