A estratégia é esconder e dispersar para extinguir. Pura manobra ilusionista do poder público. Trata-se de um raciocínio de avestruz: a cracolândia acaba quando deixarmos de vê-la. Mas no lugar de uma única zona de exclusão deliberada estão sendo criadas várias. Já não se fala em uma cracolândia. São muitas.
O muro de concreto instalado pelo prefeito Ricardo Nunes na rua General Couto de Magalhães, na região da Luz, centro de São Paulo, para isolar os dependentes químicos e separá-los de pedestres e veículos, é mais uma tentativa de apagamento enganoso. Só um puro subterfúgio com o objetivo de tirar do campo de visão um problema que se mostra insolúvel.
O que se busca é a eliminação dos dependentes químicos da região central da cidade, preparando a área que eles vinham ocupando para receber o centro administrativo do governo estadual em torno das avenidas Rio Branco e Duque de Caxias.
Na luta desvairada para atingir esse objetivo, desloca-se os usuários de crack para outros lugares. A própria Prefeitura pensou em criar uma nova zona de confinamento no Bom Retiro.
Se antes os dependentes químicos se concentravam entre as alamedas Cleveland, Dino Bueno, Nothmann e a rua Helvétia, agora eles se dispersam por diferentes pontos da capital paulista, como a baixada do Glicério, Santa Cecília ou embaixo da praça Roosevelt.
Também se vê pelas ruas cada vez vê mais consumidores isolados ou reunidos em pequenos grupos em regiões que vão do Bom Retiro até o Pacaembu.
O fato é que na cracolândia a miséria humana se expõe de maneira escandalosa e mostra que há algo de muito errado na sociedade, mas a Prefeitura não pensa em uma solução que envolva a saúde pública em primeiro lugar. Pensa-se apenas na ação policial.
Com a dispersão, a situação fica mais complicada para os traficantes porque a logística de distribuição da droga se torna descentralizada. Mas também se dificulta a ação dos assistentes sociais e dos agentes de saúde. Mesmo a polícia terá mais dificuldade de controle.
O muro, instalado seis meses atrás na rua General Couto de Magalhães, na bifurcação com a rua dos Protestantes, onde há cerca de cem usuários, é mais uma tentativa de confinar os indesejáveis e cercear seus movimentos, mas não resolve nada.
Um pedido para retirada do muro foi feito na semana passada para o STF (Supremo Tribunal Federal) pela deputada federal Luciene Cavalcante, pelo deputado estadual Carlos Giannazi e pelo vereador Celso Giannazi, todos do PSOL de São Paulo
"A construção do muro, além de ser autoritária, segregacionista e ineficaz, configura flagrante violação de direitos humanos, uma vez que restringe o direito de ir e vir das pessoas em situação de vulnerabilidade social, isolando e segregando ainda mais uma população já tão marginalizada", afirmaram os autores do pedido, que está sendo analisado pelo ministro Alexandre de Moraes. Ele deu 24 horas para que a medida fosse explicada. Hoje haverá uma resposta.
Para livrar a região central da cracolândia, a Prefeitura vai criar problemas para vários bairros. A dependência química não é algo que se elimine com botinadas. Mais eficiente seria acolher esses indivíduos em vez de desprezá-los e dispersá-los. O fluxo no Centro pode até acabar, mas uma situação muito pior está sendo desenhada.
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