O estado de São Paulo registrou em 2024 uma alta no número de crimes sexuais, com recorde de registros de estupro e de feminicídio da série histórica.
Foram 14.579 casos de estupro, ante 14.514 de 2023, até então o maior número já registrado. Em relação ao feminicídio, foram 253 registros, um aumento de 14%.
Os números são da SSP (Secretaria de Segurança Pública) do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) e somam estupro e estupro de vulnerável (quando a vítima tem menos de 14 anos ou não tem capacidade de consentir com o ato sexual). A conta inclui tanto vítimas do sexo masculino quanto do feminino.
No caso apenas da vítimas mulheres, foram 13.808 registros em 2024, sendo 3.305 de estupro e 10.503 de estupro de vulnerável. Isso indica que o número de casos registrados acelerou no segundo semestre do ano passado, já que nos primeiros seis meses
O número de 2024 representa um aumento de 2% em relação a 2023, quando o estado registrou 13.537 boletins de ocorrência de mulheres vítimas de estupro.
Os registros representam o maior número desde 2001, quando teve início a atual série histórica. Em 2018, o crime de estupro passou a ser investigado independentemente da vontade da vítima —a chamada ação pública incondicional.
Historicamente, denúncias de estupro e de outros crimes sexuais sofrem com subnotificação. Ou seja, o número real de vítimas pode ser maior.
Procurada, a secretaria afirmou que acompanha de perto os dados sobre violência contra a mulher e investe na ampliação de políticas públicas para garantir a proteção das vítimas e incentivar denúncias.
Disse também que expandiu em 87% o atendimento nos plantões policiais, com 69 novas salas 24 horas exclusivas para mulheres vítimas de violência, além das 141 Delegacias de Defesa da Mulher existentes no estado. A secretaria também citou a criação de espaços exclusivos para atendimento a essas na PM e no IML.
Também afirma que criou o aplicativo SP Mulher Segura, que possui botão de pânico e permite o registro de boletim de ocorrência a qualquer momento, bem como foi ampliado em 50% o monitoramento de agressores com tornozeleiras eletrônicas.
Femincídio é recorde
São Paulo também registrou o maior número de feminicídios desde 2018, quando o crime passou a ser contabilizado separadamente no estado. Ao todo, foram 253 vítimas, ante 221 em 2023, um aumento de 14%.
A coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher, Adriana Liporoni, disse que esse tipo de crime acontece principalmente dentro do ambiente familiar. Segundo ela, 50% dos autores foram presos em flagrante e 98% dos casos foram esclarecidos.
Liporoni afirma que casos de violência doméstica também têm mais de 90% de esclarecimento. Para evitar que as mulheres retornem para os maridos por falta de independência financeira, o governo prevê o programa São Paulo por Todas, que atua como uma rede de proteção com acolhimento e autonomia profissional e financeira exclusivamente disponíveis para elas.
No ano passado, o estado também registrou o maior número de boletins de ocorrência em uma série de crimes contra a mulher: lesão corporal, maus tratos, ameaças, invasão de domicílio, dano, constrangimento ilegal, calúnia, difamação e injúria.
Para Isabella Matosinhos, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um dos motivos por esse aumento podem estar relacionados a uma falta de estratégias governamentais. Segundo ela, este não é um tema que foi priorizado durante a gestão Tarcísio.
A especialista afirma que dois projetos do atual governo (o aplicativo SP Mulher e a tornozeleira eletrônica) só funcionam para mulheres que tenham medida restritiva contra seus agressores, que são uma minoria —entre 10% e 15% das vítimas, de acordo com ela.
"São estratégias que atendem a um grupo muito restrito de mulheres", diz . "O foco deveria estar nessas 85%, que são justamente as que não conseguem nem mesmo acessar a Justiça, acessar uma rede de proteção."
Em relação as medidas protetivas, a delegada Liporoni afirma que houve um aumento de 40% em 2024 e que existe um projeto para que o aplicativo seja acessado por vítimas de casos graves sem a necessidade da medida protetiva.
Para a promotora de São Paulo, Silvia Chakian, os altos índices de violência de gênero estão diretamente ligadas ao índice de desigualdade de gênero no nosso país. "Enquanto nós não avançarmos em políticas públicas que proporcionem às mulheres garantia de direitos fundamentais não vamos diminuir essas estatísticas", diz.
Chakian considera que há um avanço em relação as leis que protegem as mulheres, mas ainda há poucas garantias da presença do Estado na vida dessas vítimas. "Hoje, muitas mulheres não têm escolha. Romper com relacionamento abusivo significar ir morar debaixo da ponte com seus filhos sem ter como sustentar."
Há uma incidência quase três vezes superior nos casos de estupro vulnerável. A promotora considera que o país ainda é assolado no tabu, que prejudica o avanços nos debates sobre educação sexual, o que poderia ser de grande utilidade para a prevenção do abuso sexual infantil.
"Os autores estão no ciclo de de confiança da vítima, que têm contato com elas. Isso dificulta a denúncia, a busca por ajuda", diz a promotora, que considera que a violência contra criança e adolescente ainda não é enfrentada de forma clara e direta. "Enquanto esse debate não for encarado com seriedade, sem hipocrisia na nossa sociedade, nós não vamos avançar"
Ela ainda observa que o movimento de mulheres que buscam igualdade tem geram uma reação violenta. "Acompanhamos dia a dia crimes contra as mulheres com intensidade absurda de violência, com golpes reiterados, requintes de crueldade, feminicídios praticados com muito ódio, reação violenta ao corpo feminino."
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