As eclusas de Tucuruí, empreendimento que prometia viabilizar uma hidrovia de 2.000 km no país, ligando os rios Araguaia e Tocantins, transformaram-se em desperdício de recursos públicos.
Inauguradas há 15 anos, ao custo de R$ 2,9 bilhões (em valores corrigidos), elas consumiram R$ 8,64 milhões com a manutenção de estruturas em 2024.
A Folha levantou dados atuais sobre o uso e custos de manutenção da estrutura junto ao Dnit. Em 2023, o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), órgão ligado ao Ministério dos Transportes responsável pelo empreendimento, gastou outros R$ 9,1 milhões. Entre 2010 e 2022, segundo informações da autarquia federal, outros R$ 7,2 milhões foram gastos.
Apesar do alto custo, as estruturas usadas para transpor o desnível da água causado pela hidrelétrica de Tucuruí seguem sem utilização, com passagens mínimas e restritas de embarcações devido a trechos pedregosos do Tocantins.
A passagem constante de comboios de carga, que é a principal razão de ser das eclusas, nunca ocorreu. Nos últimos três anos, por exemplo, constam apenas três utilizações da estrutura por embarcações de pequeno porte.
O Ministério de Portos e Aeroportos, responsável pelas hidrovias nacionais, tem atuado junto ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para tentar avançar no licenciamento ambiental do "Pedral do Lourenço", um trecho de 43 km do rio Tocantins marcado por afloramentos rochosos que dificultam a navegação. Há mais de uma década se busca essa autorização, sem sucesso.
"Estamos avançados neste processo de licenciamento do pedral e temos a expectativa de conseguir a licença de instalação, que autoriza a obra de retirada das rochas, entre fevereiro e março", disse o ministro da pasta, Silvio Costa Filho.
A informação foi confirmada à Folha pelo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. "O licenciamento está numa fase bem adiantada. O Dnit entregou os últimos estudos em outubro", disse.
O plano do governo é usar a hidrovia para ligar a região do agronegócio no Mato Grosso e Goiás até o Pará, onde estão as eclusas, chegando ao porto de Vila do Conde, em Barcarena, no delta do rio Tocantins.
Ocorre que a retirada do pedral, um processo que é conhecido como derrocagem, é um tema polêmico e enfrenta resistência há anos, tanto de moradores locais quanto do MPF (Ministério Público Federal). O MPF já chegou a recomendar a suspensão do licenciamento ambiental devido à ausência de consultas prévias às comunidades afetadas, além do temor sobre o impacto ambiental que a obra pode gerar.
Localizado entre Marabá e Tucuruí, no Pará, o pedral teve as suas obras estimadas em cerca de R$ 500 milhões. O trabalho está projetado para durar cerca de 33 meses, o que significaria ter a hidrovia plenamente navegável, na melhor das hipóteses, em meados de 2028.
"A eclusa de Tucuruí é uma infraestrutura essencial para a navegação fluvial na região Norte do Brasil, conectando o Porto de Belém à região do Alto Araguaia, no Mato Grosso, ao longo de mais de 2.000 km de vias navegáveis. Sua operação é crucial para o escoamento de produtos agrícolas e minerais, impulsionando o comércio internacional e fortalecendo a economia regional", declarou o Dnit em nota.
As dificuldades de licenciamento não se restringem ao pedral. Segundo o Dnit, nos anos de 2022 e 2024, a eclusa não foi utilizada devido à falta de licença de operação a estrutura. "Foram realizadas algumas tentativas de solução, como um Termo de Compromisso Ambiental, mas infelizmente não prosperaram. Dessa forma, a movimentação anual de transporte pelas eclusas foi limitada, com transposições excepcionais autorizadas", afirmou o Dnit.
A situação foi resolvida apenas em novembro do ano passado, com a emissão da licença de operação dada pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará. "Embora a eclusa tenha enfrentado períodos de inatividade, os investimentos em sua manutenção são essenciais para garantir sua integridade e a prontidão para a operação", afirmou o órgão federal.
Maior estrutura de transposição de águas do país, as eclusas de Tucuruí possuem duas câmaras interligadas, projetadas para superar um desnível de aproximadamente 75 metros. Cada câmara tem 210 metros de comprimento por 33 metros de largura, o que permite receber grandes embarcações, com projeção de atender comboios de até 19 mil toneladas. A estimativa é de que a hidrovia possa receber até 40 milhões de toneladas por ano.
Há 50 anos já se planejava a construção de uma estrutura para vencer o desnível do Araguaia e Tocantins, situação que seria criada a partir da construção da hidrelétrica de Tucuruí, em 1975.
Em 1981, o regime militar deu início às obras da primeira eclusa, mas essas seriam paralisadas em 1989, devido à grave crise financeira da época.
Em 1998, o governo chegou a retomar o projeto, mas este voltou a parar em 2004. Só em 2006, último ano do primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é que o empreendimento voltaria à carga, sendo concluído em 2010.
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