Janeiro chegou trazendo consigo uma gripe tenebrosa que durou sete dias inteiros, mas serviu para, além de turbinar a minha imunidade, me munir de uma renovada ambição profissional.
Depois de um burnout em agosto do ano passado, seguido do término necessário porém ainda assim doloroso de uma relação de trabalho tóxica, tomei a decisão consciente de desacelerar. A pausa era para ter durado dois meses, no máximo três, mas aí eu pisquei e já era dezembro e quem retoma qualquer coisa em dezembro?
Eis que adentramos janeiro e, vencido o vírus, me peguei novamente inspirada a produzir. Suspeito que o ímpeto tenha relação mais direta com a minha minguante conta-corrente do que com o início de uma nova volta planetária ao sol, mas a razão aqui não importa, eu estava finalmente engatando a segunda depois de meses com o freio de mão profissional puxado.
Iniciei, portanto, o ano clicando em arquivos que andavam acumulando pó no meu Google Drive. Meu marido, um otimista incorrigível, me via trabalhando empolgada em sonhos que ainda não tinham vida além da tela e soltava sua frase de estimação: "Joga pro universo! Já já algum deles vira!".
Semana passada um deles virou e me vi de posse de uma dessas notícias boas que merecem ser compartilhadas, mas não foi.
Quando tive o meu colapso lá em agosto, contei para todo mundo. Dividir a minha tristeza foi surpreendentemente fácil. Confidenciei meu sofrimento com mães de amigos dos meus filhos com as quais eu até então tinha trocado poucas palavras. Cada desabafo era seguido de palavras de conforto e, ao dizer adeus a esses interlocutores mais ou menos aleatórios, eu sempre me sentia um pouco melhor, um pouco mais forte, um tiquinho mais curada.
Volto para este janeiro pós-gripe e finalmente tenho uma boa notícia nas mãos. Mas, ao encontrar com amigos e ser perguntada sobre como anda a vida, disfarço. "Tudo bem, tudo indo, nada novo", respondo omitindo minha recente vitória.
Simon Sinek, escritor e fenômeno do Ted Talks, disse certa vez que, ao contrário do que prega o senso comum, nossos amigos mais próximos não são aqueles com os quais dividimos nossos momentos ruins, mas aqueles para os quais ligamos quando nos acontece algo incrível. Aqueles capazes de compartilhar verdadeiramente das nossas alegrias, sem inveja, competição ou desdém.
"O que aprendi ao longo da vida é que o número de pessoas para as quais ligamos com boas notícias é bem menor do que o das pessoas para as quais ligamos com más notícias."
Ao constatar que o meu número estava próximo a zero, instantaneamente soube que o problema não estava nos bons amigos que de fato tenho. Refleti que talvez tudo isso ainda seja reflexo daquele burnout que me trouxe uma desconfiança terrível sobre tudo o que é bom. Ou talvez seja resultado de anos de exposição a feeds recheados de gente dividindo suas boas novas o tempo todo. Mas não pude deixar de me questionar quando foi que me tornei tão cínica e egoísta a ponto de negar aos meus amigos a oportunidade de serem felizes por e comigo.
Chego ao fim de janeiro, portanto, curada da maldita gripe, porém autodiagnosticada com uma certa fobia de compartilhar boas novas. Para esta, me receitei um tratamento de choque: contei a boa notícia no grupo de zap das amigas mais próximas e ri com os mais variados stickers comemorativos que recebi como resposta.
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