domingo, 26 de janeiro de 2025

Menos santistas no mundo: como a economia de Santos se voltou aos idosos, FSP

 Daniele Madureira

SANTOS

A mesinha vermelha com giz de cera e bloco de colorir ocupa o centro da Farmácia Professor, no bairro de Aparecida, em Santoslitoral paulista. Ao lado dela, uma gangorra cavalinho azul. Os brinquedos são uma forma de entreter as crianças que visitam o estabelecimento, mas quase nunca são usados.

"Apenas 5% da minha venda vem de produtos infantis. Meu maior público é de idosos, que compram medicamentos para controle da hipertensão, colesterol, diabetes e depressão", diz Walber Toma, 50, um professor universitário de farmacologia que há quatro anos abriu a farmácia. Primeiro como loja de rede, algo que não funcionou. No ano passado, deixou a bandeira de terceiros e criou o próprio ponto.

"Eu disse para eles [franqueadora] que Santos é diferente. Não funciona ter muitas prateleiras voltadas para o público infantil, como queriam", diz. Produtos para idosos atendidos em home care, como esparadrapos e gaze, por exemplo, são os de maior demanda. "Nem dou conta de atender."

A imagem mostra uma praia com uma pessoa deitada em uma cadeira de sol azul. Ao fundo, há vários edifícios altos e modernos, com árvores na frente. O céu está limpo e azul, indicando um dia ensolarado.
Moradora de Santos, a podóloga Mila Teixeira, 64, toma sol na praia do Embaré, que fica em frente ao seu prédio: idosos somam 26% da população. - Allison Sales/Folhapress

Assim como a Farmácia Professor, o comércio e os serviços da cidade de Santos, a 85 km de São Paulo, que completa 479 anos neste domingo (26), se voltam cada vez mais para os idosos. Este público já representa 26% da população, enquanto as crianças e jovens de até 19 anos somam 19%.

Existem cada vez menos santistas no mundo: dados da Fundação Seade, vinculada à Secretaria da Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo, apontam que Santos foi o único entre os grandes municípios do estado (com mais de 400 mil habitantes) que apresentou saldo vegetativo negativo em 2023 —ou seja, há mais óbitos do que nascimentos, uma condição que teve início em 2020.

No estado de São Paulo, outras 91 cidades, de menor porte, também registraram saldo vegetativo negativo em 2023.

"As mulheres não querem ter mais tantos filhos como no passado, ao mesmo tempo em que a população se torna mais longeva", diz a demógrafa Bernadette Waldvogel, gerente de indicadores e estudos populacionais na Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados). No caso de Santos, diz ela, o saldo migratório também é negativo (mais gente sai do que chega para morar na cidade), o que diminui a população total: do pico de 422,9 mil habitantes de 2018 (o maior desde 2000) para 417,8 mil em 2023.

A economia local vem patinando, o que pode justificar em parte o saldo migratório negativo. "A representatividade de Santos no PIB [Produto Interno Bruto] de São Paulo caiu de 1,2% em 2002 para 0,9% em 2021", diz o geógrafo Vagner Bessa, gerente de economia da Fundação Seade. No intervalo, diz ele, o município passou de 12º lugar no ranking dos PIBs do estado para 14º.

"As expectativas de grandes investimentos na cidade, com o pré-sal, foram frustradas em parte pela Operação Lava Jato", diz Bessa, ressaltando que hoje a economia do município é puxada por comércio e atividades imobiliárias. Cerca de 5% do PIB da cidade vem do setor de transportes e logística, o que inclui o porto de Santos, o maior da América Latina, diz.

"Em um lugar envelhecido, há dificuldade em promover investimentos em tecnologia. Esses empreendedores, mais jovens, saem da cidade. E o esvaziamento demográfico faz com que parte da riqueza econômica se perca", afirma.

Há também uma questão territorial que limita o crescimento econômico: Santos não tem espaço. A maior parte da população está na porção insular da cidade, na ilha de São Vicente, espremida entre o mar, os morros e o porto. Esse é um dos motivos para a cidade ser a mais verticalizada do país: 63,5% do total de moradias são apartamentos.

"O potencial de construção é limitado, o que encarece os imóveis", diz Thiago Reis, gerente de dados da plataforma imobiliária Quinto Andar. Em 2024, o preço do metro quadrado na cidade para venda ficou em R$ 6.148, uma alta de 11% sobre 2023 e de 19% sobre 2022.

A alternativa para muitos santistas que trabalham na cidade é se mudar para municípios vizinhos, como São Vicente, onde o preço do metro quadrado é 31% inferior (R$ 4.231). Foi o que fez Ângela dos Santos Silva, 53. Funcionária do departamento pessoal da Unisanta (Universidade Santa Cecília), ela não queria morar em São Vicente, onde a voltagem dos aparelhos é diferente (110 V, enquanto em Santos é 220 V). Mas continuar na cidade natal estava inviável. "Não tive condições de comprar nada lá", diz ela, que enfrenta até uma hora e meia de carro para percorrer um trajeto de 9 km.

Praia Grande também é uma opção para os santistas, só que um pouco mais cara que São Vicente: R$ 5.506 o metro quadrado. Ainda assim, é 10% mais barato do que Santos, informa o Quinto Andar.

PRODUTOS E SERVIÇOS PARA PÚBLICO INFANTIL SÃO ELITIZADOS

Com menos jovens na cidade, menos crianças. De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a população de Santos em idade escolar —entre 4 e 17 anos— caiu 13% entre 2010 e 2022, para 60,8 mil estudantes. O recuo, porém, foi até um pouco menor que o observado no Brasil como um todo: 15%.

"O Brasil registrou o pico de nascimento de crianças no início dos anos 1980, eram cerca de 4 milhões de nascimentos ao ano. Hoje são 2,5 milhões", diz Márcio Minamiguchi, demógrafo do IBGE. Projeções do instituto indicam que os números de nascimentos e de óbitos devem convergir no Brasil em 2042: cada indicador vai somar 2 milhões ao ano. "Os primeiros estados a apresentar um saldo vegetativo negativo serão o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro, os mais envelhecidos."

Em uma cidade onde as crianças são minoria na população, é preciso criar subterfúgios para seguir atendendo o público infantil. "Ter menos crianças na família significa oferecer mais mimos", diz Claudinei Martins, diretor comercial e de marketing do grupo Kyly, a maior fabricante nacional de vestuário infantil, com sede em Pomerode (SC). "Hoje se presenteia muita roupa e as crianças têm uma agenda cheia de eventos, com muitas fotos nas redes sociais, o que pede um guarda-roupa repleto", diz ele, que exporta para Itália, Espanha, Grécia e Irlanda. "Na Europa, ter menos crianças e mais idosos já é comum."

Uma das principais marcas da Kyly é a Milon, que estreou em Santos com uma loja franqueada no final de 2023. "Muitos avós e tios compram para presentear as crianças", diz a empresária Ana Carolina Coelho de Poli, dona de duas franquias da Milon, em Santos e em São Paulo. As peças que mais saem são as de 1 a 4 anos, especialmente para meninas, com vestidos que podem custar quase R$ 500.

A ideia de direcionar mais recursos para as poucas crianças da família reverbera na educação. Em Santos, a escola bilíngue Maple Bear, que trabalha no esquema de franquias, cobra R$ 4.000 em média pela mensalidade. "Inauguramos a primeira unidade em Santos há pouco mais de dez anos. Este ano, começamos com a segunda unidade, voltada apenas ao ensino médio", diz André Quintela, CEO da Maple Bear, que tem cerca de 500 alunos na cidade.

Já para quem se dedica a cuidar da terceira idade, não falta trabalho em Santos. "Eu era diarista e passei a ser cuidadora há poucos meses", afirma Janeth Ferreira, 46. "Ganho um pouco mais e não me desgasto tanto", diz ela, que cuida de Cristóvão Navarro Soares, 78, que ficou viúvo recentemente e teve problemas de saúde. Está morando temporariamente com a filha, cujo condomínio, no bairro do Marapé, tem uma ampla área de lazer onde são realizadas atividades para a terceira idade.

A personal trainer Bianca Cavazzini dá aulas para Seu Cristóvão e uma turma de moradores do condomínio. Ela se especializou em atender idosos, seja em aulas particulares ou programas da prefeitura. "É diferente de tudo o que já encarei antes", diz. "São pessoas muitas vezes carentes, que querem conversar, desejam atenção. Quando alguém oferece isso, ficam muito gratos e são muito carinhosos. Não troco por nada."

Entre as alunas de Bianca está Sônia Peralta, 64, professora da rede pública de ensino fundamental. Ela confessa que dá tapas no joelho para "fazê-lo levantar" e participar das aulas. "Anda! Vamos logo!", conversa consigo mesma. Para ela, é mais do que atividade física, é convivência social.

"A vantagem de Santos é que tem uma qualidade de vida muito boa, por isso as pessoas se aposentam e vêm para cá", diz.

A podóloga Mila Moreira, 64, concorda. "Santos é uma cidade boa para viver, não tem perigo", diz a pernambucana, moradora do município desde os 14. Tem irmãs e sobrinha em São Paulo, mas não gosta da capital paulista. Vive sozinha, em frente à praia de Embaré. "Somos só eu e Deus. Amo morar aqui."

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