terça-feira, 21 de outubro de 2025

Instituto de Mendonça, do STF, fatura R$ 4,8 mi em contratos públicos em pouco mais de um ano ,OESP

 BRASÍLIA - Com pouco mais de um ano de atividade, o Instituto Iter, fundado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça, arrecadou pelo menos R$ 4,8 milhões. A maior parte dessas receitas é proveniente de contratos assinados com instituições públicas entre maio de 2024 e outubro deste ano.

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O ministro é o rosto do instituto, presente nas principais peças publicitárias, e também sua principal atração. É do prestígio de seu nome que derivam boa parte dos contratos. O próprio Mendonça declara que o Iter, além de cursos, se oferece para sediar conversas com autoridades, como um lugar neutro, longe das “influências” em Brasília.

O Iter foi criado como uma empresa de sociedade limitada (Ltda.) em novembro de 2023, quando o Mendonça já integrava o STF. As atividades só começaram no início de 2024. No mesmo ano, o Iter virou uma S.A. (sociedade anônima de capital fechado).

Em nota enviada por meio do Iter, o ministro afirmou que “sua atuação no instituto é exclusivamente educacional” e está autorizada pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). “O ministro entende que suas atividades docentes e acadêmicas são plenamente compatíveis com sua função no Supremo Tribunal Federal”, disse (leia mais abaixo).

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Segundo registros da Junta Comercial, o Iter tinha na sua criação em 2023 como sócia administradora Janey Mendonça, mulher do ministro. Em 2024, quando a empresa virou S.A., Janey deixou essa função que hoje é exercida por outro sócio, Victor Godoy, ex-ministro da Educação no governo Bolsonaro.

Os registros públicos indicam a lista dos atuais sócios do Iter. Uma outra empresa, a Integre, aparece como acionista majoritária, sem exercer função de gestão. O casal Mendonça é dono da Integre. Ou seja, por meio da Integre eles são os sócios majoritários também do Iter.

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Além deles figuram no quadro societário colegas do ministro no governo Jair Bolsonaro: Danilo Dupas, ex-presidente do Inep; Rodrigo Hauer, chefe de gabinete de Mendonça no STF e em outros cargos anteriormente; Tercio Tokano, ex-secretário-executivo do Ministério da Justiça; e o Victor Godoy, que é o atual CEO do Iter.

Na nota enviada ao Estadão, o instituto confirma que a Integre exerceu a função de sócia-administradora até o momento em que a empresa passou de Sociedade Limitada para Sociedade Anônima de capital fechado.

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Mendonça oferece palestras para prefeitos

As palestras ministradas por Mendonça nos workshops sobre “a arte e a ciência da oratória jurídica”, o “prefeito do século XXI”, “o direito da construção e infraestrutura” e “o domínio dos recursos extraordinários” representam mais de um terço dos 50 contratos com instituições públicas que somam R$ 4,8 milhões arrecadados no último ano, segundo levantamento realizado pelo Estadão.

Não estão contabilizados contratos do instituto com empresas privadas, pois não há obrigatoriedade de esses acordos serem divulgados publicamente.

Dentre os entes públicos contratantes dos serviços do Iter estão os governos estaduais de São Paulo, Bahia e Piauí; as prefeituras de São Paulo e Recife; a Assembleia Legislativa do Parará; e os Tribunais de Contas de Goiás, Piauí, Rio de Janeiro, Pernambuco, Amapá e Ceará; além de outros órgãos.

O Consórcio Intermunicipal da Região Oeste Metropolitana de São Paulo, formado por prefeituras locais, foi a entidade responsável pelo maior contrato com o instituto: R$ 1,2 milhão para que os seus funcionários participem de “cursos e palestras em diversas áreas do direito e administração pública” durante um ano.

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Além de Mendonça, o Iter também oferece cursos ministrados por outros sócios e por professores convidados. Já foram professores do Iter o ex-governador de Minas Gerais e atual ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Antonio Anastasia, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, e o ex-ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro, Victor Godoy.

Em palestras, o ministro Mendonça diz que o Iter é fruto “do seu sonho” de difundir conhecimento.

“Eu fiquei com esse sonho de ter um instituto que pudesse disseminar o conhecimento de boa qualidade para a melhoria não só da governança como da relação público-privado, que no Brasil, por vezes, é vista como antagônica ou adversarial. Quando deveria ser vista como uma relação cooperativa, onde todos ganham”, disse Mendonça em aula em maio deste ano.

A Lei Orgânica da Magistratura (Loman) proíbe em seu artigo 36 que os juízes exerçam ou participem de atividades comerciais, exceto como acionista ou quotista. Como o Iter vende cursos e palestras, Mendonça não poderia atuar como administrador sem violar diretamente a Loman. Questionamentos judiciais sobre a conduta de ministros do STF só podem ser analisados pelo próprio Supremo.

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“Essas vedações, que são na verdade proteções, compõem uma coisa chamada dever de reserva do juiz. Esse dever é para preservá-lo de relações que venham a ser passíveis de questionar um julgamento que tem que ser imparcial”, explica o professor de sociologia do direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Fernando Fontainha.

Para ele, no Brasil, “todo mundo quer, precisa e investe em proximidade com o Judiciário”, sendo este um dos motivos para que diversos agentes públicos, inclusive de cidades pequenas, mobilizem recursos para participar dos cursos oferecidos pelo instituto do ministro.

Na avaliação do professor de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP) Conrado Hübner, a atuação de Mendonça configura “muito claramente” conflito de interesses e, na prática, pode estar em atrito com a Loman.

“O direito societário olha para os fatos, não só para o que está escrito no papel, não só para o texto do contrato social. Nesse sentido, se, na prática, o ministro exerce papel de administrador, como, na prática, Gilmar (Mendes) exerce papel de administrador do IDP, obviamente é um ilícito”, afirmou. Hübner se refere ao ministro Gilmar Mendes, do STF, um dos donos do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) — empresa cujo sócio administrador é o seu filho Francisco Mendes. Procurado pela reportagem, Gilmar não quis se manifestar.

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Estadão solicitou a lista de todas as pessoas físicas e jurídicas e entes públicos que já contrataram os serviços do Iter, mas o instituo respondeu que suas informações comerciais “são de natureza privada e regidas por cláusulas de confidencialidade”.

“O Iter atua de forma regular e dentro dos parâmetros de mercado, com histórico de avaliações positivas e conformidade fiscal e jurídica em todas as suas parcerias”, afirmou.

Ministro assina convênio com Câmara Municipal de São Paulo

O papel proeminente do ministro na empresa pode ser observado na assinatura de contratos. A rubrica de Mendonça consta em um convênio com a Câmara Municipal de São Paulo para atrair servidores públicos para os cursos do instituto a partir do oferecimento de descontos.

A instituição pública não desembolsa recursos, mas assumiu o compromisso de divulgar entre os servidores a possibilidade de fazer cursos com desconto no Iter. Até o momento, o instituto de Mendonça declarou que ainda não firmou tal acordo, mas é possível verificá-lo no portal da transparência da Câmara.

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O documento foi lavrado em nome do CEO Victor Godoy. Mendonça figura como testemunha. O Estadão comparou a rubrica presente no documento com outros materiais assinados por Mendonça. O Iter confirmou que a rubrica é do ministro.

Na avalição de Hübner, essa e outras interações com agentes públicos são “um exemplo escolar de violação de rituais elementares de imparcialidade”.

“Conflito de interesse é uma condição objetiva: se você senta numa cadeira com uma função institucional de tomar decisões que afetam certos atores, outras conexões pessoais e empresariais não podem suscitar a desconfiança de que você poderia decidir de um certo modo para se beneficiar”, explicou o professor.

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