domingo, 12 de outubro de 2025

Opinião Waldemar Magaldi Abundância de escolhas dos millenials, antes libertadora, virou vertigem, FSP

  

Waldemar Magaldi Filho
Waldemar Magaldi Filho

Analista junguiano, mestre e doutor em ciências da religião e fundador do IJEP (Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa). Autor de "Dinheiro, Saúde e Sagrado"

Imagine, se me permite a licença poética, a vida como uma grandiosa viagem de trem, daquelas que prometem paisagens de tirar o fôlego e um destino de pura realização. Na juventude, embarcamos com um mapa dourado, um roteiro que não desenhamos, mas nos foi entregue pela cultura, pelos pais, pelos contos de fadas.

Para os millennials ou Geração Y, hoje entre 30 e 40 anos, esse mapa vinha com um bônus: Wi-Fi ilimitado, rotas personalizáveis e a promessa de serem os maestros do próprio destino.

No meio do percurso, porém, um descompasso sutil se instala. Os vales outrora verdejantes revelam secas, a montanha do amor exige escalada árdua, e o rio da felicidade, às vezes, se mostra baixo. É nesse ponto de vertigem que surge a névoa da "crise da meia-idade". Não como desfecho, mas como convite a recalibrar a bússola interna.

Mulher em cima de relógio gigante empurra um dos ponteiros para frente com a mão
Ter 30 ou 40 anos é quase um ato de resistência, escreve Waldemar Magaldi Filho - Catarina Pignato/Folhapress

Vivemos num tempo que tenta enquadrar todo sofrimento em diagnósticos: depressão, TDAH, burnout. Mas cada lamento é uma nota única na sinfonia da existência. A crise millennial não é apenas uma questão de calendário, mas um mergulho em identidade e propósito, a dolorosa constatação de que muitos sonhos talvez nunca foram seus de verdade.

A história se repete: a realidade presente de uma geração sempre parece desbotada ao lado da fantasia idealizada do passado, nos anos dourados da adolescência. Há aqueles que, recusando-se a aceitar essa virada da maré, acabam como "Puer Aeternus", aprisionados num apêndice lastimoso da juventude, tentando agarrar-se a um passado que, como um rio, fluiu sem retorno.

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Para os millennials, isso é agravado pelo mantra do "você pode ser o que quiser" — um coquetel de idealismo e culpa. O sucesso virou obrigação, o trabalho, paixão transformadora, o amor, fusão de almas. E, nas redes sociais, a vida idealizada dos outros tornou-se o espelho distorcido da nossa, onde tudo é #blessed e eternamente em Bali, enquanto o cotidiano parece apenas… cotidiano.

A abundância de escolhas, antes libertadora, gerou vertigem: "Será que escolhi a rota certa?" Na meia-idade, a realidade impõe-se: a carreira é sólida, mas não épica; o casamento é parceria, não filme romântico; o corpo, com seus novos limites, anuncia que a garantia de fábrica venceu. Surge então a frustração de quem descobre que o mapa prometido não coincide com o território encontrado — nostalgia de um futuro que nunca existiu.

Mas essa frustração não é beco sem saída, é motor secreto da transformação. As perguntas que surgem — "onde me encontro?", "qual o sentido?" — são um recall existencial orquestrado pela alma. A decepção pode, e deve, ser combustível. A crise é o sussurro que nos chama para a segunda metade da vida.

Para algumas almas, especialmente para as mulheres, soma-se o fantasma da invisibilidade. Passar dos 40 pode significar tornar-se invisível numa cultura que celebra o frescor e despreza a experiência. A pressão para "não parecer a idade que tem" transforma o natural em batalha. Envelhecer bem torna-se ato de rebeldia.

A frustração, no fundo, é anseio por autenticidade. O desafio não é voltar à estação inicial, mas aprender a apreciar a paisagem real —com seus desertos e flores improváveis. O sentido da viagem nunca foi o destino, mas a transformação interior. É a vindima da alma: as uvas esmagadas pela vida tornam-se o vinho denso e maduro da consciência.

A crise não é democrática, importante frisar. Para quem vive na escassez, a pergunta é "como sobrevivo?". Para a classe média, "por que não estou onde deveria estar?". Para os ricos, a crise assume sua forma mais vertiginosa, com um "isso é tudo?", que ecoa em um vazio existencial.

Todas compartilham uma mesma vertigem, porém: perceber que o longo prazo talvez não seja tão longo. Essa consciência produz uma ansiedade existencial e um sentimento novo de finitude.

A resposta para uma saída precisa ser, por força, multifacetada.

Primeiro repensando o que chamamos de sucesso — não mais riqueza e status, mas coerência e contribuição. Precisamos de uma educação voltada à vida, que ensine cooperação, pensamento sistêmico, ética ambiental e a arte de lidar com a incerteza. Por fim, precisamos de "terceiros lugares" — espaços públicos onde a solidão do individualismo se dissolve e a comunidade floresce.

A crise existencial da juventude contemporânea é assustadora em magnitude, mas também fértil. Para usar uma imagem que a poesia tão bem nos empresta, é precisamente nessas rachaduras profundas que a luz, por mais tênue que seja, tem a chance de entrar.

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