Algumas decisões judiciais parecem vir do além. Mas não é todo dia que um morto vem de outras esferas para testemunhar a sua própria morte.
Semana passada, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça enfrentou uma questão de suma importância para o direito brasileiro. A discussão ‘sub judice’ era se o ‘de cujus’ poderia, ‘post mortem’, figurar como testemunha do próprio crime, comunicando-se per ‘medium scriptum’. Em bom português: decidir se um espírito pode ser testemunha em processo crime.
O caso envolve um homem denunciado por três homicídios em Mato Grosso do Sul. Durante a investigação, uma testemunha afirmou ter atuado como médium e psicografado mensagens enviadas pela vítima fatal.
O Ministério Público achou a carta psicografada convincente, afinal não é sempre que um morto se dispõe a colaborar com a investigação sobre seu próprio assassinato.
A defesa, menos espiritualizada, contestou a prova. Mas o meritíssimo recebeu o documento como válido para compor o conjunto probatório. O Tribunal de Justiça local não arredou pé e confirmou a brilhante decisão de primeiro grau.
Por analogia, poderíamos estender o rol probatório para outras ciências, ocultas ou não. O mapa astral do acusado, por exemplo, poderia ser uma prova pericial contundente (atenção: Júpiter em Escorpião costuma ser mau presságio para quem tenta provar inocência). Até borras de café: se elas revelam traições, por que não revelariam indícios para esclarecer homicídios?
Talvez fosse o caso de atualizar o currículo das faculdades de Direito para incluir Esoterismo Jurídico Aplicado, Tarô Constitucional, Astrologia Forense e Leitura de Mãos Processuais.
A verdade é que, se existissem vários Chicos Xavier, com poderes tão reais quanto sobrenaturais, metade dos julgamentos se resolveria sozinha. A alma da vítima faria a reconstituição dos fatos e pronto: restaria ao juiz —ou à inteligência artificial— apenas formalizar a sentença com base nos fatos revelados do outro plano. Além da celeridade, seria o fim dos erros judiciais. Porque uma coisa é certa: mortos não mentem.
O único problema é o contraditório. Como interrogar um espírito sob juramento? Uma alternativa seria conduzir audiências em sessões mediúnicas: o juiz em torno da mesa girante, incenso na sala e causídicos treinados para entrar em transe para captar vibrações ectoplasmáticas do morto, ao vivo.
O STJ, no entanto, decidiu impor limite à criatividade probatória e (pasme!) reconheceu a inadmissibilidade da psicografia como prova. O processo volta agora para o mundo dos vivos. Em suma: temos que ter fé na Justiça, mas ela não pode se mover pela fé.
O surrealismo não para aí. De tempos em tempos, o Judiciário se transforma num laboratório de possibilidades jurídicas e os tribunais se veem obrigados a conceder a causas bizarras o mesmo zelo reservado a teses constitucionais. Como o caso do casal que levou até as últimas instâncias a disputa pela guarda de um papagaio ou o da funcionária que recebeu indenização por danos morais porque o chefe fumava maconha no expediente.
Mais espantoso do que ouvir vozes do além, foi o caso do homem que impetrou habeas corpus para voltar a morar com a ex-esposa. Perto disso, o testemunho do morto soa mais verossímil. Aguardemos se algum recurso ainda virá da instância superior.

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