A notícia da sexta-feira (17) foi que Lula recebeu e orou com um bispo evangélico no Planalto. Mas a manchete certa seria outra: a direita evangélica está oficialmente fraturada.
Para quem está distante desse meio, Samuel Ferreira é apenas "um bispo" —assim como Caetano Veloso é "um compositor" ou o papa Leão 14 é "um católico". A descrição é correta, mas insuficiente para explicar quem ele representa entre os 47 milhões de evangélicos brasileiros.
Ferreira é uma das principais lideranças da Assembleia de Deus, a maior igreja do país depois da Católica. Segundo o Censo de 2010, ela tinha 12 milhões de membros. É a principal organização pentecostal do Brasil e a de maior apelo popular.
A estratégia mais eficiente do bolsonarismo para se manter no poder foi costurar alianças com líderes das grandes igrejas. Até recentemente, ninguém —nem mesmo Edir Macedo, que representa o centrão pragmático do mundo evangélico— ousava se aproximar do PT ou de Lula, sob risco de isolamento e punição.
Dentro das grandes denominações, quem rejeitava candidatos de direita ou questionava a instrumentalização política das igrejas era rotulado de "abortista" ou "gayzista".
Essa lógica corporativa trincou com a visita de Samuel Ferreira, acompanhado de Jorge Messias, ao Palácio do Planalto. Igrejas históricas, especialmente a Presbiteriana, e as chamadas de "parede preta", como a Lagoinha, continuarão sendo redutos do antipetismo. Mas o jogo voltou a ficar aberto, com igrejas retomando a disposição para ficar junto do poder, independentemente do lado.
O gesto do bispo causou desconforto dentro da organização que ele preside, a Assembleia de Deus ministério Madureira. Por isso, o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), da mesma denominação, foi às redes aplaudir o encontro com o presidente.
"A política trabalha com a polarização, a igreja trabalha com a reconciliação", disse. E defendeu que encontrar com o presidente não significa concordar com o que ele pensa.
Em seguida ao encontro com Ferreira, Lula discursou no 16º Congresso do PC do B. "2026 é um ano sagrado. Nós temos que fazer as coisas diferente. [...] Evangélico não é contra nós, nós é que não sabemos falar com eles. O erro está na gente, não está neles. [...] Nós nos distanciamos do povo", disse o presidente.
Lula, prestes a completar 80 anos, caminha para uma nova disputa eleitoral. Será uma corrida dura: seu governo não tem maioria no Congresso, acumula derrotas e entregou pouco até agora —além de enfrentar a ameaça das tarifas de Trump.
A polarização prejudica o debate público, a esquerda ainda não domina o uso das redes sociais e metade dos eleitores, segundo dados da Quaest, desaprova o governo.
Para a imprensa pouco atenta ao campo evangélico, Samuel Ferreira é apenas mais um bispo. Mas as fotos dele orando e abraçando Lula circularam amplamente entre fiéis, apresentando o presidente como um homem de fé e amigo dos evangélicos.
A desbolsonarização das igrejas aumenta o risco de Tarcísio buscar a reeleição mais segura em São Paulo e disputar 2030 sem Lula no páreo. O governo deve convidar mais pastores para o Planalto.
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