Lá se vão mais de duas décadas, mas ainda lembro que olhar meus filhos recém-nascidos era uma experiência triplamente maravilhosa. Primeiro, pelo vínculo forte que meu cérebro felizmente formou de imediato com meus rebentos (nem todas as mães têm esta sorte). Segundo, pela apreciação da biologia que permitiu ao meu corpo produzir outro, e duas vezes seguidas, tópico que inesperadamente se tornou um dos meus objetos de estudo atuais e tema de vários buracos de coelho aos quais eu em breve vou levar meus leitores.
E, terceiro, devido ao que é o tópico desta coluna: embora estivessem agora fora do meu corpo, eu ainda assim identificava nos meus bebês os mesmos movimentos que eu havia sentido eles fazerem dentro da minha barriga. Era uma sensação mágica e surreal ver com os olhos o que até então eu só havia sentido pelas vísceras. Mas não duraram muito —e agora eu começo a entender o porquê, graças ao visitante mais recente que veio contar ao nosso instituto sobre o seu objeto de pesquisa.
Jimmy Dooley, professor assistente na Universidade Purdue, estuda os movimentos espontâneos do sono, chamados de "abalos hipnagógicos". Aqueles tremeliques involuntários que às vezes são do corpo todo, fazendo a gente acordar se sentindo como se tivesse tropeçado, mas muitas vezes são só de uma mão ou pé. Esses abalos costumam acontecer enquanto se sonha, razão pela qual se supunha que eles fossem causados pelo córtex cerebral falando sozinho e gerando ações sonhadas que o tal do núcleo reticular gigantocelular da coluna anterior felizmente impede a medula de passar adiante para os músculos —e assim a gente sonha sem risco de se machucar com as próprias ações.
Bebês ratos adormecidos também têm esses abalos que, para a surpresa de muitos, Dooley descobriu que vêm não do córtex cerebral, mas do núcleo rubro. O que chamou minha atenção, contudo, foi aprender que também os movimentos de bebês ratos acordados —aqueles movimentos lentos, aleatórios, descoordenados, tão parecidos com os dos humanos recém-nascidos— também são obra de atividade espontânea do núcleo rubro, e não do córtex cerebral.
A razão é simples: em bebês ratos e também humanos, o córtex motor ainda não está conectado com os neurônios motores na medula espinal, e, mesmo se estivesse, mal tem atividade. O córtex motor recém-nascido não é motor, não manda em ninguém, não faz nada acontecer. Pelo contrário, Dooley descobriu que, nos recém-nascidos, o córtex motor é... sensorial, sensível à contração muscular que resulta dos movimentos comandados pelo núcleo rubro.
Ou seja: a atividade dos neurônios corticais que um dia será causa de movimentos começa a vida como sua consequência, como se os neurônios corticais aprendessem a mandar nos músculos observando o núcleo rubro fazer isso primeiro. Conforme o córtex progressivamente aprende a tomar conta do controle dos músculos, aí sim as ações vão ficando refinadas, coordenadas e direcionadas. Mas como isso leva tempo para acontecer, a gente tem a oportunidade de ver com os próprios olhos os movimentos espontâneos organizados pelo núcleo rubro dos nossos bebês desde antes deles nascerem, no comecinho daquele longo processo de aprendizado com a experiência que molda o cérebro ao longo da vida.
Referências:
Dooley JC, Blumberg MS (2018) Developmental "awakening" of primary motor cortex to the sensory consequences of movement. eLife 7, e41841.

 
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