segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Paulo Feldmann - O Brasil precisa de 1 milhão de cargos de confiança no setor público?, FSP

 

Paulo Feldmann

Professor de economia da USP; atuou como dirigente empresarial tanto no setor privado como no setor público

Em países avançados, com administração pública moderna como França, Alemanha ou Suécia, quando se elege um governante, seja ele presidente ou primeiro-ministro, o máximo que este consegue é indicar seus subordinados diretos.

Todos os outros funcionários que vão se reportar aos ministros serão ocupados por servidores que já estão nas respectivas carreiras. Nestes países, para chegar a tal posto, cada servidor público teve que prestar concurso e ser aprovado. O mesmo acontece com os presidentes das estatais, que sempre se reportam a algum ministro e obrigatoriamente devem ser recrutados entre os funcionários concursados da própria empresa.

Esplanada dos ministérios, em Brasília, que concentra o comando do funcionalismo público federal - Pedro Ladeira - 5.jul.24/Folhapress

Ou seja, nas nações avançadas a máquina governamental é operada pelo servidor público, um funcionário que foi aprovado em concurso e que atende o plano de carreira da área em que se encontra alocado. Lá não existem cargos de confiança, mais uma jabuticaba brasileira.

No Brasil, segundo o IBGE, há mais de 1 milhão de pessoas ocupando cargos de confiança, sendo que apenas em Brasília estão cerca de 30 mil. E o pior é que são esses que dirigem nosso país, sem terem feito sequer concurso público e muitas vezes sem nenhum preparo, mas foram escolhidos por serem fiéis e leais a algum político. Os cargos de confiança equivalem a 10% do número de funcionários públicos no Brasil e a maioria deles possui como única qualificação fazer parte do mesmo partido político de algum dirigente eleito, ou ser amigo de algum parlamentar. Sem contar que muitas vezes a razão da nomeação é o nepotismo.

Será que precisamos dos cargos de confiança? Por que não obrigar a existência de carreiras e concursos para todos?

Há muitos anos se fala da necessidade de uma reforma administrativa ampla. E, no início deste mês, finalmente o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) apresentou aos seus pares na Câmara dos Deputados um conjunto de propostas para modernizar e conter gastos do Estado brasileiro, mas não abordou a questão dos cargos de confiança. Com isso, a reforma por melhor que seja, não distingue Estado de governo. Em suma, essa proposta não resolve o fato de que todo funcionário no setor público brasileiro deveria ser concursado e proveniente do mesmo. E, em nenhuma hipótese, deveria se admitir a existência de servidores por indicações políticas —com a única exceção dos cargos de ministro ou de secretários estaduais e municipais.

Há no país uma grande confusão entre os conceitos de Estado e de governo. Resumidamente, podemos dizer que Estado abrange toda a sociedade política e é algo duradouro, enquanto o governo é apenas uma das instituições que compõem o mesmo (as outras são o Legislativo e o Judiciário). O governo administra apenas o Poder Executivo e por um curto período, de quatro anos, após o ano em que há eleições.

O Estado não pode nem deve servir a nenhum grupo político porque ele permeia tudo sendo soberano, impessoal, estável e permanente. Infelizmente, no Brasil, o Estado tem sido capturado por grupos políticos que o fazem através do preenchimento intenso dos cargos de confiança, com pessoas que possuem a sua ideologia e a mesma afinidade política.

Assim, a cada quatro anos, o Brasil troca completamente sua equipe dirigente nas várias instâncias e nos vários níveis hierárquicos do Executivo. Isto é incompatível com um setor público moderno que precisa, antes de tudo, de estabilidade e continuidade. É por isso que não existem planos de longo prazo nem uma estratégia para o país. Ou alguém a conhece? Os planos no Brasil têm, no máximo, o horizonte de um mandato.

Não podemos chamar nosso setor público de moderno. Afinal, qual a vantagem que o país leva com esse milhão de nomeações políticas a cada quatro anos?

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