quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Nestlé adota agricultura regenerativa para aliviar arroto e pum da vaca, FSP

 

São Paulo

Espaço para caminhar. Temperatura e umidade controladas. Chão forrado por cascas de café ou maravalhas, constantemente trocadas para tudo ficar bem limpo. Comida natural. Silagem de plantas produzidas a partir de agricultura regenerativa, sistema que atua para restaurar o solo e manter a sua biodiversidade.

Assim vivem 39 mil vacas que fazem parte do maior programa de agricultura regenerativa voltada à redução de emissões de gases de efeito estufa na cadeia do leite no país. Mantido pela Nestlé Brasil, ele já conta com mil produtores. Detalhe: cerca de 8.000 dessas vacas usam um colar com inteligência artificial, que monitora detalhes do comportamento.

Vaca que integra programa de agricultura regenerativa da Nestlé para a pecuária leiteira; iniciativa envolve cerca de 39 mil animais em mil fazendas - Divulgação

Formatado em 2022, esse programa já ajudou a reduzir as emissões na produção de leite em 14%, segundo levantamento da empresa.

Para ampliar as ações, a Nestlé Brasil, nesta terça-feira (21), anunciou uma parceria com o Banco do Brasil para facilitar a concessão de R$ 100 milhões em crédito para fazendas de gado leiteiro interessadas em implementar práticas sustentáveis de produção. A empresa entra como garantidora de que os recursos serão aplicados para reduzir emissões.

Cortar emissões na pecuária não é tarefa fácil. O principal problema, explica Bárbara Sollero, chefe da área de Agricultura Regenerativa da Nestlé Brasil, é que elas são causadas pela mera existência do animal. Ocorrem quando ele digere o seu alimento, principalmente com a liberação de gases. Sim, a emissão vem principalmente do arroto e do pum.

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É preciso também alimentar um número crescente de pessoas. Mais bifes e copos de leite costumam demandar aumento do rebanho —com a consequência inevitável de carregar a atmosfera com mais gases.

Sollerro explica que, nas fazendas brasileiras, 40% das emissões vêm dos animais, mas o restante é responsabilidade de outros fatores, sendo que metade sai da produção do alimento para o rebanho.

Assim, a Nestlé tem descarbonizado a produção de leite com uma estratégia diferente. Atua muito no entorno do rebanho: o ambiente em que ele vive e, especialmente, na produção do que come.

Economia Verde na Prática

Leia série de reportagens sobre soluções de empresas às vésperas da COP30

Na prática, a vaca continua ruminando e liberando praticamente a mesma quantidade de gases ao longo do dia, mas vivendo e comendo melhor, produz mais leite —o que muda é a relação entre volume produzido e emissões totais.

Algumas fazendas levam o bem-estar do animal ao limite para evitar estresse. Há quem toque música na hora da ordenha e ofereça bolas para as vacas brincarem. Outras têm equipamento para coçar o couro e até aquele aparelho que solta brisa refrescnte, que a gente encontra em calçadão de praias.

Segundo a executiva, as fazendas estão em estágios diferentes dentro do programa. Nas mais avançadas, o galpão principal funciona com energia 100% renovável: painéis solares abastecem ventiladores, sistemas de aspersão e a refrigeração do leite.

Na produção de alimentos, há rotação de mais de quatro culturas ao longo do ano —tomate, milho, soja, feijão— associadas a plantas de cobertura, o que aumenta a captura de carbono no solo e, ao mesmo tempo, produz forragem para o rebanho. É proibida a compra de insumos de área desmatada.

Resultado: a pegada de carbono ficou 39% menor quando comparada à de fazendas convencionais. O custo com a silagem caiu 8%. A produtividade dos melhores animais cresceu 47%.

"Segundo o IBGE, uma vaca no Brasil produz, em média, oito litros por dia. As nossas vacas, nesse sistema, estão produzindo 35 litros em média. As propriedades mais eficientes chegam a 40 litros", diz Soller.

"Cerca de 70% do leite que a gente compra hoje aqui no Brasil vem diretamente das fazendas que estão aplicando esse programa de práticas regenerativas."

A atuação na pecuária leiteira faz parte de um conjunto de ações que a Nestlé mantém para reduzir suas emissões globais. Tendo 2018 como ponto de partida, a meta é cortar metade até 2030, e chegar a zero até 2050.

No início da outubro, a Nestlé abandonou a Dairy Methane Action Alliance, uma aliança global que ela mesma ajudou a criar em 2023 para reduzir as emissões de metano na produção de laticínios. A empresa não justificou a decisão e apenas declarou que faz revisão constante de suas iniciativas.

A diretora de Transformação do Negócio e ESG na Nestlé Brasil, Bárbara Sapunar, disse à Folha que a empresa se mantém empenhada em reduzir as suas emissões.

"Não estamos desistindo do nosso compromisso com o metano. Nosso compromisso está super forte. A meta de diminuição de gastos de efeito estufa até 2025 foi entregue antes. Em nível global, a gente está entregando menos 21% de gastos de efeito estufa", afirmou Sapunar.

As executivas afirmam que o Brasil é estratégico nesse trabalho. Cerca de 25% dos principais ingredientes adquiridos pela Nestlé no mundo saem daqui. Além do leite, são destaque cacau e café, que também contam com programas de agricultura regenerativa para reduzirem as emissões.

A empresa vai, inclusive, defender esse sistema de produção COP30 (30ª conferência da ONU sobre mudanças climáticas). A Nestlé vai liderar um painel sobre agricultura regenerativa na "blue zone", área onde ocorrem as negociações entre os países-membros da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), vai participar de discussões sobre o tema na "green zone", local que reúne empresas, entidades e ONGs, e também vai estar na chamada Agrizone, área coordenada pela Embrapa.


ENTENDA A SÉRIE

série "Economia Verde na Prática" apresenta soluções de mercado que demonstram o potencial das empresas no Brasil para atuarem como protagonistas na descarbonização. As experiências abordadas pelas reportagens foram coletados entre integrantes de duas alianças empresariais criadas para a COP30, a C.A.S.E., que reúne Bradesco, Itaúsa, Itaú-Unibanco, Marcopolo, Natura, Nestlé e Vale, e a Coalizão do Setor Elétrico para a COP30, composta por 73 empresas e oito associações.

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