A impressão de que as coisas estão piorando é um dos vieses cognitivos mais poderosos que existem. Às vezes, porém, reflete uma verdade. O streaming é um desses casos, o que vem se traduzindo em cancelamentos e trocas constantes de serviços no Brasil e no mundo.
Parte disso vem da maneira como lidamos com gratificações e preferências. O cinema exigia investimento financeiro e logístico por filme assistido. A televisão ao menos impunha a necessidade de se estar à frente do aparelho no horário de exibição de seu programa favorito. O streaming liquidou essas restrições, o que é muito bom, exceto pelo fato de que no domínio das experiências paga-se em planejamento e recebe-se em satisfação.
No início, a Netflix enviava DVDs pelo correio e adotava política alternativa a das locadoras que lucravam em cima da infelicidade dos atrasados. O verdadeiro diferencial, contudo, era quantitativo: uma Blockbuster típica estocava 3.000 títulos; a empresa de Reed Hastings oferecia 100 mil.
A estratégia maximalista migrou para o streaming e se multiplicou, expondo os clientes ao paradoxo da escolha: sem repertório prévio ou curadoria confiável, como a existente nas antigas locadoras, a abundância gera mais paralisia do que prazer.
A solução foi dobrar a aposta nos algoritmos de recomendações, que operavam em escala menor na época do site de DVDs. A diversidade nominal de milhares de títulos ocultou-se sob uma vitrine estreita, ditada por métricas de engajamento.
Esse movimento moldou a cultura do setor, o qual se vê mais como de tecnologia do que de entretenimento. Isso está na base da deterioração para além da psicologia do consumidor.
Como típicas startups, as plataformas passaram anos queimando capital para aumentar sua participação de mercado. A Disney desembolsou US$ 32 bilhões em conteúdo em 2022. A Amazon, US$ 1 bilhão em um único Tolkien. Porém, não tardou para o caráter insustentável da prática ficar claro e novas estratégias de monetização serem aplicadas agressivamente.
Assim surgiram os planos com anúncios, o controle de senhas e, como se temia desde a extinção das locadoras, a eliminação em massa do conteúdo autoral ou cult, invisibilizado pelos algoritmos e depois apagado por otimização fiscal. Hoje, prevalece a tese de que o diferencial entre as pessoas é apenas o blockbuster do momento que preferem, sendo que na América Latina, onde a receita é menor, o colapso da segmentação é ainda maior.
O foco dos investimentos migrou para os grandes eventos esportivos, videogames e séries próprias, as quais, se não decolarem de imediato, serão deixadas inconclusas sem cerimônia.
A forma de medir o desempenho do conteúdo também mudou: em vez de horas assistidas, adotou-se a taxa de completude, mais diretamente ligada à retenção de assinantes. O resultado foi o predomínio absoluto das histórias rápidas, cheias de ganchos e fáceis de concluir, escritas a toque de caixa nas chamadas "mini-rooms" e filmadas em linhas de montagem orientadas pelo grau de viralização dos episódios anteriores.
A estratégia se completou com o modelo de lançamento em blocos para incentivar o consumo compulsivo, útil às métricas mas gerador de mal-estar, fator central na percepção de que a grande promessa do streaming acabou em frustração.
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