Inclusão, diversidade e pluralismo. É o contra-argumento que o crítico musical Tárik de Souza usa para rebater um dos mais equivocados clichês da música brasileira —o de que a bossa nova, com sua fusão de samba e jazz e sua arte de vanguarda, foi um movimento elitista, privilégio restrito a rapazes e moças da branca zona sul carioca.
No recém-lançado "João Gilberto e a Insurreição Bossa Nova", Tárik se vale da autoridade de quem escreve sobre música popular desde a década de 1960, mesclando rigor jornalístico e acuidade de ensaísta, para contestar essa visão sociológica, propagada pelo pesquisador José Ramos Tinhorão, com inúmeros exemplos. A começar por João Gilberto, baiano de Juazeiro que fundou a escola da modernidade e que tem toda sua discografia, sobretudo os três primeiros LPs, discorrida em profundidade no livro.
No período pré-João, com Johnny Alf (o "Genialf", apelido dado por Tom Jobim), um preto que foi o primeiro pai da matéria, nascido na Tijuca, filho de uma empregada doméstica com um cabo do Exército. Com João Donato, que trouxe de longe —do Acre— a maneira bailada de brincar com as teclas do acordeão e do piano.
Antes de ganhar o planeta e influenciar o próprio jazz e a música pop, a batida diferente sacudiu o Brasil ao penetrar em suas camadas mais populares. O autor elenca fatos surpreendentes e aproximações para lá de improváveis. Em 1960, a chanchada "Pistoleiro Bossa Nova" chegava aos cinemas —uma das atrações era Carlinhos Lyra interpretando "Maria Ninguém". Um ano antes, Vicente Celestino, com seus dós de peito que eram a antítese da elegância zen de João, gravou "Se Todos Fossem Iguais a Você", de Tom e Vinicius.
Herdeiro de Cartola, o mangueirense Padeirinho aprovou a novidade com "Modificado" ("E eu também gostei daquilo/ Modificando o estilo de meu samba tradição"). E quem diria que o banjo de Almir Guineto, o tantã de Sereno e o repique de Ubirany, base da revolução do pagode, tinham influência da bossa nova?
Uma vez samba, sempre samba.

 
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