terça-feira, 14 de outubro de 2025

Não é voto, é veto: país vai de novo votar para impedir o outro lado, Wilson Gomes, FSP

 É cada vez mais provável que a eleição de 2026 repita o padrão das duas últimas eleições presidenciais: um plebiscito em que cada eleitor decide qual lado deseja impedir que esteja no poder.

Em toda pesquisa, eleitores declaram-se fartos de tanta polarização; em todas elas, sinalizam que, no fim das contas, acabarão votando para evitar o que lhes parece o mal mais danoso. Vota-se, enfim, não para resolver problemas, mas para evitar o problema político que o lado preterido representa. Não é voto, é veto.

De um lado, quem quer impedir a volta do bolsonarismo —ainda que venha em pele de cordeiro, isto é, de Tarcísio. De outro, quem vê o lulismo como a encarnação persistente de tudo o que há de errado na política e quer afastá-lo do centro do poder.

A ilustração mostra duas figuras humanas vestidas com roupas formais, desenhadas em estilo de traço fino e cores quentes. O personagem à frente tem a cabeça substituída por uma porta de madeira com cadeado e ferrolho, simbolizando o fechamento e a desconfiança. De dentro dessa porta, quebrando parte do marco da porta, um braço verde de papel dobrado como sanfona, estende-se para fora, segurando um envelope amarelo — uma referência ao voto.  Atrás dele, outra figura observa em silêncio; no seu rosto a boca é uma fenda em forma de fechadura, reforçando a ideia de bloqueio e de segredo. A cena traduz visualmente o ato de votar não por convicção ou esperança, mas para impedir o outro lado — um voto como veto, guiado pelo medo e pela desconfiança política
Ariel Severino/Folhapress

Nisso, as grandes urgências nacionais —segurança pública, crescimento, educação, pobreza, meio ambiente— cedem lugar àquilo que hoje enche nossos olhos e monopoliza nossos afetos: evitar que "o outro lado" ameace nossa existência ou a ordem institucional.

O país merecia mais que isso? Certamente. Mas é esta a situação em que nos colocamos desde meados da década de 2010: a política, que deveria ser o instrumento para resolver problemas, passou a ser considerada o principal problema a ser reparado. Quando a política passa a se ocupar de si mesma, dificilmente se ocupa de outra coisa.

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A teoria da agenda setting ajuda a entender o mecanismo: eleições se decidem quando uma narrativa vence a disputa sobre qual é o problema mais importante do país. A partir daí, os eleitores escolhem quem parece mais capaz de enfrentá-lo. Há uma disputa para definir a agenda e outra para parecer adequado ao papel que ela exige. Em outras palavras, partidos e candidatos precisam incorporar essa agenda, oferecer perfis que pareçam talhados para enfrentá-la e convencer a maioria de que têm credenciais e histórico que os qualificam para a missão.

Nossa história eleitoral desde a redemocratização alterna dois ciclos. No ciclo material, elegemos quem parece mais apto a resolver problemas concretos. No ciclo político, votamos para neutralizar um risco trazido pela própria política.

Exemplos ajudam. Em 1989, Collor encarnou a promessa de resolver por fora o que a política não conseguia: cortar "marajás", modernizar o Estado, varrer privilégios. Era a política como vilã e o "não político" como remédio. Já em 1994 (e 1998), a agenda foi material e nítida —controle da inflação e responsabilidade fiscal—, e FHC parecia o personagem certo para a missão.

Diplomação de Fernando Henrique Cardoso e Marco Maciel, eleitos em 1998

Em 2002 e 2006, a "questão social" organizou as prioridades nacionais, e Lula ofereceu biografia e discurso ajustados à missão de enfrentar miséria, desigualdade e desemprego. Em 2010, Dilma vendeu competência de gestão e continuidade das políticas sociais. Em 2016, com o impeachment e a posse de Temer, a expectativa pública majoritária recaiu sobre reformas ("as reformas de que o Brasil precisa", dizia-se) —um retorno clássico ao ciclo material, ainda que por via do que foi, de fato, uma eleição indireta.

A inflexão vem em 2018. A antipolítica e o antipetismo dominam a pauta; vende-se um político inexpressivo como "antissistema" para, supostamente, corrigir a política por choque. A política entrou no roteiro não como solução, mas como vilã. A agenda material deu lugar à política: o problema passou a ser o próprio sistema político, seus atores e seus modos de operar. O voto deixou de responder à pergunta "quais problemas a política resolverá?" e passou a responder "como impedir que eles governem?". A política do PT era o mal maior a ser afastado.

Em 2022, o plebiscito girou o tabuleiro: votou-se para conter o estilo autoritário e inepto do bolsonarismo e restaurar alguma normalidade institucional. Em ambos os casos, decidiu-se contra alguém, não por um caminho —é o voto preventivo.

E nada indica que 2026 fugirá dessa armadilha. O que se desenha é mais um plebiscito defensivo —o medo do outro lado—, não uma escolha sobre como enfrentar os problemas que aguardam, na fila, sua vez de serem resolvidos politicamente.

O curioso é que os ciclos em que elegemos quem parece mais capaz de enfrentar problemas reais —inflação, desemprego, desigualdade, crise fiscal— costumam gerar governos de resultados. Já os ciclos em que elegemos para punir a política ou nos proteger de determinados políticos terminam, invariavelmente, em frustração e retrocesso.

Enquanto a política continuar sendo considerada o principal problema nacional, nenhuma eleição servirá para resolvê-lo.

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