Escrever é difícil, mas gratificante.
Essa dificuldade é bem expressa na piada: "Escrever não é difícil. É só ficar sentado tentando pensar em algo... até sair sangue da sua testa". Ou: "Eu poderia facilmente ser um escritor, mas não gosto do trabalho de escritório". Certamente há muito desse trabalho —que, falando sério, é o ofício que se pode aprender escrevendo. Trato disso num pequeno livro chamado "Economical Writing: Thirty-Five Rules for Clear and Persuasive Prose" (Escrita econômica: trinta e cinco regras para uma prosa clara e persuasiva –inédito em português), que revela os truques para trabalhar com palavras.
Por exemplo: "Expresse ideias paralelas de forma paralela"; ou simplesmente fique sentado tentando pensar em algo. Mas observe que, se você anotar um pensamento, a própria frase que escreveu sugere o próximo pensamento. Então, repita o processo várias vezes. Você terá um rascunho.
O trabalho difícil vem com revisão, revisão e mais revisão, usando dezenas de truques que se podem aprender. Hemingway zombou de "On the Road", de Jack Kerouac, em que Kerouac seguiu o plano uma sentença após a outra, mas não revisou nada. "Isso não é escrever", disse Hemingway. "É datilografar." Hemingway também disse que revisou o último parágrafo de "Adeus às Armas" 50 vezes.
Eu mesma reviso obsessivamente, dia após dia, de bom e de mau humor, até que pare de parecer melhor. Hoje somos abençoados com o processador de texto, que torna a revisão muito mais fácil que o papel e o lápis de Hemingway. "Escrever com facilidade torna a leitura difícil", disse ele.
A recompensa é a mesma de fazer qualquer coisa bonita, uma comida deliciosa para a ceia de Natal, uma letra de música no estilo de Rubel Brisolla, uma corrida de 5 quilômetros satisfatória no Parque Villa-Lobos, ou um belo gol contra o Palmeiras.
A beleza rege a escrita da mesma forma que rege a ciência e a religião. A beleza vem de uma coisa difícil que é bem feita. Se for muito fácil, é só digitação. Se for muito difícil, o sangue escorre pela testa. O grande psicólogo húngaro-americano Mihaly Csikszentmihalyi (1934-2021; nós o chamávamos apenas de "Mike") criou uma palavra para tal sucesso, a verdadeira felicidade em uma vida humana: "fluxo". Não é o prazer fácil de comer uma barra de chocolate. É fazer algo no limite da sua competência, e lindamente. Você fica, como dizemos, "absorto" na tarefa. O tempo para. Você esquece o almoço. O resultado é "Nossos bosques têm mais vida, / Nossa vida mais amores".
Suponho que hoje poderíamos desistir completamente de escrever e contar com a inteligência artificial para produzir romances, letras de músicas, tratados científicos e cartas para a mãe. A IA certamente é útil. Eu a uso para verificar meus fatos brasileiros. Mas cuidado: às vezes ela inventa fatos. Um pouco como os humanos.
Mas observe que nós, em inglês e português, usamos a mesma palavra, "bom", para descrever um belo verso na poesia e também uma boa ação na política. Ou seja, estética também tem a ver com ética, pelo menos quando os humanos, e não a natureza, estão sendo julgados. Belas cenas na natureza, como as cataratas do Iguaçu, não têm conteúdo ético. Elas são sublimes, mas não um bom comportamento.
E esse é um dos motivos pelos quais a escrita precisa dos humanos. Nós, humanos, julgamos. Como disse um grande poeta inglês, "a verdade é beleza".

Nenhum comentário:
Postar um comentário