terça-feira, 7 de outubro de 2025

Rodrigo Toniol Quem fez de Nossa Senhora Aparecida a padroeira do Brasil?, FSP

 Rodrigo Toniol

Professor de antropologia da UFRJ, é membro da Academia Brasileira de Ciências

A consagração do Brasil a Nossa Senhora Aparecida foi conduzida por Getúlio Vargas. Antes de seu ato, o santo oficial era outro, são Pedro de Alcântara. Embora a devoção popular à santa já existisse, seu novo posto foi alcançado graças a muitas negociações entre o alto clero da Igreja Católica e as disputas políticas do início da década de 1930, no país.

Desde a queda da monarquia, o padroeiro oficial constrangia as lideranças republicanas. Isso porque são Pedro de Alcântara era um padroeiro muito fortemente associado à família real portuguesa. Não somente quem o transformou em santo oficial da nação havia sido dom Pedro 1º como também os dois primeiros nomes do próprio imperador eram os mesmos do santo: Pedro de Alcântara.

Ao transformar o homônimo em padroeiro, o imperador também quis virar um pouco santo. No Brasil, religião, política e catolicismo nunca andaram muito afastados.

Imagem mostra procissão religiosa dentro de igreja com arquitetura detalhada e iluminada. No centro, sacerdote segura imagem de Nossa Senhora vestida de preto e dourado, cercado por fiéis vestidos de branco. Arcos e vitrais decoram o fundo, com iluminação quente destacando o altar.
Celebração do dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, na Basílica de Aparecida, a 170 km da cidade de São Paulo - Thiago Leon - 12.out.20/Santuário Nacional

A necessidade de outra devoção oficial ganhou urgência no início do século 20. As guerras de Canudos, na Bahia, e de Contestado, em Santa Catarina, ambas profundamente ligadas ao catolicismo popular de devoção pouco controlada pela Igreja, deixaram claro que não interessava nem aos bispos nem ao Estado deixar os católicos com seus próprios santos.

Era preciso orientar a fé aos novos tempos, o da República, e aos interesses do catolicismo romano. Para o Brasil, a escolha de Nossa Senhora Aparecida como padroeira nacional caía como uma luva para as necessidades simbólicas da nascente república.

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Desde os anos 1920, Aparecida era exaltada como "mãe pacificadora da nação". Nossa Senhora de Aparecida era a encarnação, necessária para a construção da unidade nacional católica: ao contrário de seu antecessor, era uma santa mulher e não um santo, tinha forte apelo popular, havia surgido das mãos de pescadores e era negra.

Não por acaso, o 2º Congresso Mariano (1929) levou a Roma o pedido de torná-la padroeira, sob o mote: "União indissolúvel entre Religião e Pátria. Nossa Senhora Aparecida e Brasil — Unidade Nacional".

A solicitação foi atendida apenas um ano depois, quando, no dia 1º de setembro de 1930, a Nunciatura Apostólica do Rio de Janeiro comunicou que a elevação de N. S. Aparecida a padroeira do Brasil havia sido autorizada pelo papa Pio 11. Pouco mais de dois meses depois, Getúlio Vargas comandou a Revolução de 1930, impediu a posse do presidente eleito Julio Prestes e se tornou chefe do governo provisório.

Apenas seis meses depois de se tornar, na prática, o presidente do país, Getúlio e o cardeal dom Sebastião Leme participaram juntos da cerimônia de consagração da nova padroeira do Brasil. No discurso dos dois, os ideais patrióticos e a necessidade de pacificar o país foram reafirmados. Nossa Senhora Aparecida virou padroeira em um momento de conflagração social, reorganização de forças e consolidação da Igreja Católica como ator de peso nos novos tempos da política nacional.

Demorou décadas até que a data dedicada à santa fosse fixada em 12 de outubro, algo que aconteceu apenas em 1953. Até lá, o dia da festa variou entre os meses de dezembro, setembro e maio. O que não mudou foi a relação entre o catolicismo, a santa e a política no Brasil. Como mostra a história, a maior nação católica do mundo escolheu sua própria padroeira preocupada com a conciliação política.

Nada disso tira a relevância que Nossa Senhora de Aparecida tem para os seus devotos. Mas serve como lembrete para mostrar que quando se trata de catolicismo, a relação entre religião e política é tão naturalizada que se torna praticamente invisível, o que não significa que ela não exista. Justamente pelo contrário.

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