[RESUMO] Depois de três meses acompanhando cerimônias da Igreja Universal do Reino de Deus, jornalista narra episódios cotidianos que revelam a complexidade do universo evangélico.
Quando digo que estou estudando o neopentecostalismo, recebo inevitavelmente a pergunta de interlocutores que não me conhecem tão bem: "Mas você é religiosa?". Nas primeiras vezes que isso aconteceu, respondi que não, quase ofendida pela suposição.
O mais marcante —e talvez único— traço de religiosidade na minha vida se resume à presença de imagens da Virgem Maria, de quem minha mãe se diz devota, na casa da família, no interior de Minas Gerais, e no apartamento onde moro, em São Paulo.
Não sou mais a adolescente refratária a qualquer espiritualidade, que se recusava a participar das missas no colégio católico, porém continuo agnóstica (talvez ateia).
Esforcei-me para deixar minhas crenças —ou a falta delas— de lado para frequentar, ao longo de três meses, a Igreja Universal do Reino de Deus, com o intuito de descrever minhas passagens pela congregação de Edir Macedo, incluindo reuniões (assim são chamados os cultos), encontros de jovens e cerimônias de exorcismo e batismo.
Tudo começou no aniversário da cidade de São Paulo, no dia 25 de janeiro de 2025. Faltavam 20 minutos para a reunião de meio-dia na Universal da rua da Consolação quando saí da estação de metrô e caminhei até a igreja, dando de cara com a porta fechada. Cheguei cedo demais, pensei. Ou talvez o feriado tivesse desmotivado os fiéis.
Como ainda tinha tempo, entrei em um café e pedi um expresso, na esperança —e no medo— de que finalmente aparecesse alguém. À medida que a xícara se esvaziava, ia criando coragem para voltar à missão. Até que me levantei, em um ímpeto, e marchei pela rua da Consolação.
De novo em frente ao templo, topei com Nadir, uma idosa na casa dos 70 anos. Apresentei-me como jornalista e contei que aquela era minha primeira visita. Sem cerimônia, ela empurrou a porta. "Você pode entrar. Qualquer um pode."
Nadir me contou que quase toda sua família frequenta igrejas neopentecostais, termo que usarei por maior praticidade, embora não seja adotado pelas próprias igrejas dessa vertente, incluindo seus fiéis e líderes, além de sofrer generalizações, como apontam estudiosos do tema.
Em falas por vezes desconexas, Nadir abordou sua relação com Deus e a necessidade de "buscar a salvação". Enquanto falava, pude olhá-la com mais atenção. Observei os cabelos loiros presos em um coque, os pelos que despontavam sobre os lábios e os ombros cobertos por um tecido branco, similar a um pano de chão. Mais tarde, um pastor me explicaria que o acessório era sinal de humilhação perante Deus.
Chegou o momento de buscarmos nossos lugares. Sentei-me ao lado daquela senhora, a única pessoa remotamente familiar em um universo inédito para mim.
O pastor chegou pouco antes do meio-dia, vestindo camisa social e gravata. Na reunião, fez alertas sobre o Carnaval que se aproximava e disse que a pandemia de Covid-19 teria sido uma punição divina desencadeada por foliões que caçoaram de Jesus Cristo em 2020.
Foi naquele momento que ouvi, pela primeira vez, a expressão "morrer para o mundo", ideia que retornaria incontáveis vezes nas falas de pastores, fiéis e obreiros, voluntários da Universal que aconselham e acolhem pessoas que chegam até a igreja.
Um aspecto que notei desde o princípio foi a sonoplastia. Em momentos estratégicos das reuniões, toca ao fundo uma música dramática, porém sutil. O efeito criado é tão imersivo que, várias vezes, pode-se esquecer, ainda que por frações de segundos, de que se trata de um recurso artificial.
Quando a reunião acabou, Nadir me levou até o pastor. Eu lhe disse que estava ali como pesquisadora e jornalista, nada mais. Apesar de um pouco desconfiado, ele foi simpático. Sugeriu que eu baixasse o Portal Universal, aplicativo em que o fiel pode consultar horários de reuniões, ouvir podcasts, ler notícias da Folha Universal, fazer doações para a igreja e conversar com um "pastor online".
Dias depois, decidi voltar ao mesmo templo. Ao chegar, sentei-me ao lado de uma senhora, que foi mãe de santo por 23 anos, porém se converteu à fé evangélica. Interrompemos a conversa com a chegada do pastor.
Dessa vez, era um homem de, no máximo, 50 anos, sorridente, vestindo roupa social e sem um fio de cabelo na cabeça lustrosa. Todos os fiéis se levantaram. Dando início aos ritos, ele convidou os presentes a se posicionarem diante do púlpito, com suas garrafas d’água em mãos. Nessa hora, pediu a Deus para abençoar o líquido e curar as mazelas que afligiam aquelas pessoas.
Enquanto bradava frases como "cura, Senhor, o câncer, a depressão", os congregados murmuravam para si suas próprias orações. As lamúrias, somadas, criavam uma sinfonia desordenada, em que o desespero se fazia quase palpável.
A reunião transcorreu como a primeira que presenciei dias antes, com muita música, interação com o público, emoção e, sobretudo, didatismo. Além de exibir versículos bíblicos em telões, o pastor destrinchava a palavra divina, explicando seu significado com analogias e exemplos da vida cotidiana.
Após a oração final, uma obreira sorridente se aproximou de mim e perguntou se aquela era minha primeira visita, logo me conduzindo até o grupo de jovens da igreja, a Força Jovem Universal.
Uma estudante de ciências contábeis pegou meu número e me incentivou a participar das atividades semanais do grupo. Foi o que fiz no domingo seguinte.
O encontro daquela tarde começou com uma dança animada ao som de reggaeton, que me pegou de surpresa. Embora aterrorizada pela ideia de dançar em público, entrei na onda, não sem algum constrangimento, e até me diverti. Depois, um jovem se pôs diante dos demais e começou a falar sobre a importância de se levar uma vida cristã.
"Não adianta esquentar o banco da igreja no domingo e continuar indo para festas, andando com más companhias e fazendo coisas erradas, que todos aqui sabem quais são", afirmou, resoluto, antes de ler versículos aos jovens.
Quando o encontro acabou, fui chamada para uma partida de vôlei. Todos me trataram com gentileza, mesmo nas incontáveis vezes em que atrapalhei meu time. Fui embora quando já se preparavam para a terceira partida. Ao sair, ouvi suas risadas se distanciando e só pude pensar: "São jovens como eu".
Dias depois, conheci outro templo da Universal, em Pinheiros. Já me sentia parte daquilo de alguma forma. Como o jejum das causas impossíveis é a temática das reuniões de sábado (cada dia da semana tem um tema diferente, desde prosperidade até vida amorosa), o pastor direcionou suas falas a pessoas que buscam soluções para problemas complexos.
Ao final da pregação, puxei assunto com a mulher do meu lado. Era Iracema, uma paraibana radicada em São Paulo que, há 20 anos, começou a frequentar a Universal, abandonando a crença nos orixás. Após outras três visitas ao templo, marquei uma entrevista com ela.
A neopentecostal petista
Conversei com Iracema por mais de duas horas em frente ao seu trailer de lanches. Comecei perguntando sobre a origem da sua fé. A mulher de 58 anos deu um suspiro, direcionou o olhar para o céu e afirmou que, desde pequena, "sentia curiosidade em relação a Deus".
Nascida em Acopiara (CE), ela se mudou com a família para o sertão da Paraíba aos 4 anos, onde a fome fazia parte da rotina. Aos 19, ficou grávida e decidiu vir para São Paulo em busca de uma vida melhor.
Durante sua fala, um homem andrajoso se aproximou, com passos cambaleantes, e fixou os olhos no pedaço de bolo que Iracema segurava. Sem hesitar, ela estendeu-o em sua direção, e o homem arrancou um bocado com a mão e seguiu seu caminho, sem dizer uma palavra.
Incapaz de disfarçar minha surpresa, questionei se ela o conhecia. A paraibana respondeu apenas: "Não, nunca vi", como se aquele fosse o gesto mais natural do mundo.
Ela prosseguiu com a história, contando que, ao chegar à capital paulista, conheceu um motorista de ônibus de 45 anos. Ele assumiu o filho fruto do relacionamento dela com o ex-namorado e, mais tarde, tiveram outros três.
Por muitos anos, a família frequentou um terreiro de umbanda. A paraibana só virou evangélica após um episódio traumático: quando um dos seus filhos cometeu um homicídio, aos 13, na favela onde moravam. O "aviãozinho" teria recebido ordem para executar um criminoso.
Iracema entrou em desespero e, para tentar acalmar-se, vagou sem rumo pela cidade. Foi quando deu de cara com um templo da Universal, que até então só conhecia "de ouvir falar no rádio e na televisão". "O sofrimento era tanto que teria entrado na primeira porta que visse, fosse da Universal, Mundial ou da Igreja Católica."
Assim que entrou no templo, prostrou-se diante do altar e orou pelo rebento. Naquele mesmo dia, ele prometeu que mudaria de vida. Meses depois, concluiu um curso técnico e conseguiu, enfim, desvencilhar-se da criminalidade, nunca tendo sido indiciado pelo suposto assassinato.
Iracema "tomou raiva" do sobradinho de três andares onde a família morava, por associá-lo ao período de agruras. Mudou-se de bairro e começou a frequentar a igreja quatro vezes por semana, o que, segundo ela, melhorou sua vida em vários sentidos.
Nesse momento da conversa, mostrou a aliança prata que levava no dedo anelar da mão esquerda. Não era um anel de casamento, pois nunca se casou, mas um símbolo do seu pacto financeiro com Deus. "Hoje como o que quero. Só não posso ter vaidade", define assim sua condição material.
Seu sonho é convencer os filhos a se converterem, especialmente aquele que é homossexual e se separou da esposa para se relacionar com uma travesti. Segundo Iracema, o namoro terminou graças às suas preces, e ela torce para que ele "seja infeliz até que encontre o caminho de Deus".
Buscando não transparecer espanto, mudei de assunto. Perguntei se Iracema concluiu o ensino básico. Ela disse que só cursou até a segunda série e aprendeu a ler depois de adulta, na Universal, para conhecer a palavra de Deus.
Minutos depois, ao fitar uma mulher em situação de rua aparentemente drogada a poucos metros de nós, disse que o culpado por ela estar naquela situação era o Diabo.
Até aquele momento, tive a distinta impressão de que o conservadorismo de Iracema se refletiria na sua visão política. Para minha surpresa, ela comentou que só vota em Lula e no PT. "Voto nele porque ele vê o lado dos pobres. Deus vai levantar um político que quer prejudicar os ‘pequenininhos' e dar mais poder para os ricos?"
Depois dessa entrevista, sempre que alguém me perguntava o que eu havia descoberto de interessante durante a pesquisa, mencionava o caso de Iracema, neopentecostal, conservadora e petista.
Um exorcismo e um batismo
Pude observar o auge da centralidade do Diabo no discurso neopentecostal em uma reunião de sexta-feira. Naquela noite, o pastor falou sobre famílias condenadas à infelicidade devido a trabalhos espirituais feitos contra antepassados.
Segundo ele, encostos impediriam o sucesso financeiro, a estabilidade nos casamentos, a saúde e a harmonia no lar. Poucos minutos depois, bradou para que Deus desfizesse a "maldição de gerações", enquanto fiéis mantinham as mãos erguidas e obreiros sussurravam orações.
De repente, um homem soltou um berro. Todas as cabeças se viraram. De forma quase coreografada, o pastor pediu que um obreiro o segurasse. Pôs a mão na cabeça do possesso, que se debatia e emitia grunhidos, e ordenou: "Pode sair agora, encosto, espírito que tem agido na vida deste homem. É porque você está lá, Diabo, que nessa família todo o mundo trai, todo o mundo se separa, todo o mundo é infeliz".
Foi então que notei um homem de uniforme cinza saindo por uma porta ao lado do altar, aparentemente um prestador de serviços. Ele caminhou rapidamente até a saída e, ao passar pelos fiéis reunidos, deixou escapar um sorriso. Nossos olhares se cruzaram, e me pergunto se ele percebeu que eu, assim como ele, era uma forasteira ali.
Os congregados estendiam as mãos, enquanto o pastor gritava: "Em nome de Jesus, sai!" —ordem repetida três vezes, em coro com os fiéis. "Você perdeu a vida dele hoje. Está proibido de voltar, porque meu Deus colocará anjos para protegê-lo", declarou ao término do rito.
Além do exorcismo, presenciei um batismo, dessa vez na igreja da Consolação. Depois de uma das reuniões de domingo, subi com o grupo jovem até o segundo andar do edifício. O adolescente que seria batizado vestia uma bata preta que lhe cobria dos ombros até a metade das canelas.
Outro pastor, do primeiro dia, em que conheci Nadir, estava lá. Enquanto o tanque batismal era enchido, aproximou-se de mim e me surpreendeu com a pergunta: "O que você tem aprendido aqui?".
Todos ao meu redor se calaram. Percebi que esperavam uma resposta que demonstrasse alguma aproximação minha com Deus. Limitei-me à verdade: estava descobrindo diversos motivos que levam as pessoas à igreja.
O pastor demonstrou certa desconfiança, mas logo voltou sua atenção para o grupo. "Quem tinha depressão antes de vir para cá?", perguntou. Dois participantes levantaram a mão. "Quem se mutilava?" Uma obreira respondeu que não se mutilava, mas arranhava o rosto até quase feri-lo.
Senti alívio ao notar que o foco havia saído de mim. O pastor, então, afirmou que todos ali perceberam que festas e drogas não supririam o vazio que sentiam —e que o batismo significava purificar-se de tudo isso.
O homem ficou ao lado do jovem, já posicionado no tanque, e segurou sua cabeça, mergulhando-a rapidamente na água. Ao retornar à superfície, o menino sorriu. Todos bateram palmas.
Ele saiu do tanque pingando, sob advertências para que não escorregasse. Atrás de mim, ouvi: "Parece mesmo que acabou de nascer".
Ao final, o grupo se juntou para uma foto. Como sempre, fizeram questão de me incluir. Em 23 anos de vida, nunca havia presenciado o batismo de um adulto. Minhas únicas lembranças de batismos eram de primos que passaram pelo rito ainda nos primeiros meses de vida, na Igreja Católica.
Naquela manhã, voltei para casa com a sensação de que, a cada dia, compreendia um pouco mais a fé daquelas pessoas, que agora tinham rosto, personalidade e história para mim.

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