domingo, 26 de outubro de 2025

Entenda a origem do Estado Novo e a derrocada de Getúlio Vargas em 1945, \\fsp

 Matheus Tupina

São Paulo

Em 10 de novembro de 1937, o então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, anunciava o fechamento do Congresso Nacional, a outorga de uma nova Constituição e a proclamação do Estado Novo, período autoritário até 1945.

Legitimado pelo Exército, o mandatário discursou no Palácio Guanabara, atual sede do Governo do Rio de Janeiro e antes, do governo federal, com difusão via rádio. Afirmou que a mudança no regime seria necessária para "reajustar o organismo político às necessidades econômicas do país".

O que se seguiu foi o controle total do Executivo por Vargas, nomeando interventores pelos estados, a centralização de funções pelo governo federal e a consolidação de sua imagem de "pai dos pobres" a partir do Departamento de Imprensa e Propaganda.

Fotografia em preto e branco mostra um homem de óculos sorrindo. Ele está olhando para baixo, usa terno e é calvo.
O presidente da República, Getúlio Vargas (esq.), em visita a Santos (SP) - Laércio - Acervo UH/Folhapress

Oito anos depois de ditadura, Vargas sofria imensa pressão não apenas social, mas dos militares, para renunciar e passar o comando da República a um sucessor via eleições. Deixou o cargo, então, em 29 de outubro de 1945.

Entenda a origem e a derrocada do Estado Novo:

Vargas consolidado e 'ameaça comunista'

Getúlio Vargas era político gaúcho experiente e com ampla trajetória política na Primeira República, tendo sido senador, governador do Rio Grande do Sul, ministro da Fazenda sob Washington Luís e deputado. Alcançou o topo do Executivo federal em meio a uma demanda por modernização do Estado.

Chegou ao poder em 1930, depois de um golpe de Estado que interrompeu o fim do governo de Washington Luís e impediu a posse de Júlio Prestes, criando um governo chamado por ele de provisório. Aqui, Vargas já começava a centralizar poder, o que incomodava setores econômicos e levou a conflitos como a Revolução Constitucionalista de 1932.

Dois anos depois, e tentando acomodar as diversas demandas sociais, foi promulgada a Constituição de 1934, com, entre outros destaques, a instituição do voto secreto e do voto feminino. Vargas foi eleito indiretamente para um mandato de quatro anos, sem direito à reeleição.

Um ano depois, veio a Intentona Comunista, realizada pela Aliança Nacional Libertadora. A revolta contra Getúlio, liderada por Luís Carlos Prestes e que pedia um governo comunista, foi facilmente contida, mas o então presidente utilizou o movimento para seguir disseminando o que dizia ser uma ameaça comunista.

Em 1937, foi forjado o Plano Cohen, plantado pelos integralistas e que afirmava que os comunistas planejavam revolução maior que a tentada em 1935, com apoio da União Soviética. Era a narrativa necessária a Vargas para um novo golpe de Estado, ampliando ainda mais seus poderes.

Autogolpe

Enquanto exercia o mandato, Vargas passou a afirmar que uma campanha eleitoral em 1938 poderia reacender agitações de rua e criar instabilidade política no país. Enquanto isso, começou a articular, com as Forças Armadas e com a política local, buscando lealdade e aparelhamento do Estado.

Também cultivou o apoio dos integralistas e, após o vazamento do Plano Cohen, em 10 de novembro e sem qualquer oposição, fechou o Congresso, decretou o novo texto constitucional e proclamou o Estado Novo. Apenas dois governadores, Juraci Magalhães, da Bahia, e Lima Cavalcanti, de Pernambuco, renunciaram a seus cargos em protesto.

Em dezembro de 1937, todos os partidos foram fechados e a atividade política tornou-se clandestina e restrita apenas à atuação do Estado. No mesmo mês, todas as bandeiras estaduais foram queimadas em cerimônia cívica, como símbolo da centralização. "Não temos mais problemas regionais, todos são nacionais, e interessam ao Brasil inteiro", afirmou Vargas.

Nunca houve uma eleição neste período político, assim como o Judiciário foi enfraquecido.

Outra frente que Getúlio investiu foi a censura. A pena de morte, inclusive para manifestações políticas, como a greve, foi proibida, e o governo criou o Departamento de Imprensa e Propaganda, para controlar as informações divulgadas no país.

Um exemplo é o jornal O Estado de S. Paulo, que havia apoiado a Revolução de 1930, mas que foi tomado da família Mesquita pelo então interventor Adhemar de Barros em 1940, devolvido apenas em 1945.

'Pai dos pobres'

Seguindo com a ideia de modernização do Estado e da economia, Vargas passou a investir na criação de várias estatais, buscando fomentar a atividade de indústrias de base no país. No setor público, criou o Departamento Administrativo do Serviço Público, buscando racionalizar a burocracia nacional.

Entre as empresas estão a Vale e a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional); a Companhia Nacional de Álcalis, que produzia sal; a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, que gerenciava a produção de energia no Nordeste; a Fábrica Nacional de Motores, produzindo tratores e caminhões.

Com a industrialização, o então mandatário buscou regularizar as condições de trabalho com a criação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), regras como férias e limite de horas semanais. Também foi instaurada a Justiça do Trabalho.

Essas políticas também foram combinadas com a construção de imagem de Vargas como "pai dos pobres" pelo Departamento de Imprensa e Propagada.

Relação com o Exército

Vargas assumiu a Presidência da República em 1930 com apoio dos militares, que buscavam maior espaço no governo e protagonismo econômico em meio a uma escalada nas tensões pelo mundo. Getúlio seguiu fortalecendo o Exército e a Marinha no centro do poder.

Fortalecidos, os fardados mantiveram-se ao lado do presidente no golpe de 1937, e Dutra, que depois foi eleito chefe do Executivo, virou ministro da Guerra do país. Durante o regime ditatorial, Vargas ainda criou a Força Aérea Brasileira, em 1941.

Durante o regime, porém, a relação foi se desgastando, especialmente com o envio de tropas à Segunda Guerra Mundial, o que irritou a cúpula militar, que não queria uma participação efetiva no conflito. Ainda, as discordâncias na manutenção dos direitos políticos restritos e a condução da política econômica azedaram a relação entre o presidente e os fardados.

Fim da Era Vargas, 80

  • Série de reportagens

    A Folha publica série de reportagens que retratam a renúncia de Getúlio Vargas à Presidência da República em outubro de 1945, há 80 anos, após oito anos de regime autoritário no Estado Novo. Os textos buscam mostrar como o regime que Getúlio promoveu vai além da visão tradicional de expansão dos direitos trabalhistas e modernização do Estado, destrinchando as violações de direitos, a articulação pela derrubada do mandatário e as consequências do período até os dias de hoje.

Deposição de Vargas e Constituição de 1946

O Estado Novo e Getúlio Vargas passaram a viver um processo de desgaste a partir de 1943, com o surgimento de uma oposição aberta contra o regime. No ano, por exemplo, foi divulgado o Manifesto dos Mineiros, que pedia a redemocratização do país com eleições livres.

Monteiro Lobato, por exemplo, era opositor do Estado Novo. Ele foi preso e ficou em péssimas condições de cárcere. Acusava Getúlio de não deixar brasilerios explorarem petróleo livremente no país.

1945 marcou o ano em que as tensões sociais e com militares se deterioraram ainda mais. Em fevereiro, entrevista de José Américo, candidato a presidente nas eleições de 1938, que não aconteceram, ao Correio da Manhã, no Rio de Janeiro, foi o marco da retomada da liberdade de imprensa no país.

Em maio, foi fixado o dia 2 de dezembro como o dia das eleições presidenciais. Luís Carlos Prestes e outros presos políticos receberam anistia e os partidos foram autorizados a atuarem novamente.

Mesmo assim, os militares seguiam frustrados e pediam a renúncia do chefe do Executivo. A tensão foi maximizada quando Getúlio decidiu nomear Benjamim Vargas, seu irmão, para chefe da polícia do Rio.

Os ministros militares, do próprio governo, passaram a articular tropas no Distrito Federal, e Vargas decidiu renunciar para evitar punições. Deixou a capital e voltou a São Borja (RS), cidade natal e onde iniciou carreira política.


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