mas à figura institucional
No editorial "Suspeitas graves exigem tanto rigor como equilíbrio" (20/11), esta Folha sugere a existência de "casos em que Alexandre de Moraes figura simultaneamente como supervisor e vítima em potencial", o que dá margem a argumentos recorrentes no sentido de que ele deveria se declarar impedido de exercer a jurisdição no inquérito que apura os atentados contra o Estado democrático de Direito e a tentativa de golpe no Brasil, por ter sido alvo de atos do plano golpista para manter Jair Bolsonaro no poder.
Embora a preocupação com a imparcialidade seja legítima, esse argumento revela uma compreensão equivocada do princípio do juiz natural em face da própria natureza dos crimes em apuração.
O atentado contra o ministro Moraes não foi um ataque à sua pessoa, mas à figura institucional que desempenhava papel central no funcionamento do Estado democrático de Direito enquanto presidente do Tribunal Superior Eleitoral durante as eleições e relator do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal. Afastá-lo da relatoria seria conceder aos investigados o poder de manipular a jurisdição, violando o princípio constitucional do juiz natural.
Admitir tal afastamento equivaleria a permitir que criminosos escolham seus julgadores. Essa possibilidade criaria um precedente que ameaça a independência do Judiciário e fragiliza a democracia. A questão é ainda mais relevante no contexto atual, em que se apura uma clara tentativa de ruptura institucional.
Diferentemente do episódio ocorrido no aeroporto de Roma, no qual Moraes e familiares foram agredidos, o atentado aqui não se deu em face do indivíduo, mas contra a figura institucional que desempenhava um papel decisivo no equilíbrio democrático durante as eleições e na responsabilização dos ataques golpistas.
As investigações da Polícia Federal revelaram que o atentado contra o ministro Alexandre de Moraes foi uma etapa de um plano estruturado e coordenado, com múltiplos núcleos de atuação, para subverter a ordem democrática e dar um golpe de Estado, que tinha por objetivo final impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e manter Bolsonaro no poder.
Não se tratou de meras idealizações: minutas de decretos para anular o resultado das eleições, planos e faixas golpistas impressos no Palácio do Planalto, reuniões ministeriais com teor golpista, acampamentos diante de quartéis, transmissões em redes sociais incitando ataques às instituições, mobilização de forças como a Polícia Rodoviária Federal para prejudicar o processo eleitoral, paralisação de rodovias, atentado à bomba, invasão e depredação das sedes dos três Poderes: tudo isso são exemplos concretos de ações planejadas e orquestradas, que culminariam com a consolidação do golpe de Estado mediante o assassinato de Lula, Moraes e Geraldo Alckmin.
Esses atos compõem uma progressão criminosa com encadeamento lógico, envolvendo autoridades civis, militares e integrantes do governo, com propósito deliberado de ruptura da ordem democrática e deposição violenta de um governo legitimamente constituído. A tentativa de ruptura foi cuidadosamente planejada, com o objetivo de abolir o Estado democrático de Direito e instaurar um regime autoritário. É nesse contexto que o atentado contra Alexandre de Moraes deve ser interpretado: não como uma agressão pessoal, mas como parte do ataque à própria democracia.
Sob a perspectiva dogmática, a tese de impedimento do ministro também não encontra respaldo no Código de Processo Penal. O artigo 256 prevê que o juiz não será considerado suspeito quando a parte, de propósito, agir para criar a relação de inimizade. Essa regra é crucial para impedir que investigados ou réus manipulem o processo e escolham o juiz do próprio caso.
Além de individualizar condutas e responsabilizar os envolvidos, este caso é uma oportunidade de reafirmar a força das instituições democráticas. Afastar o ministro Alexandre de Moraes seria enfraquecer o Poder Judiciário, subverter a legislação processual penal e abrir caminho para que criminosos golpistas escolham quem os julgará —cenário inconcebível em um Estado democrático de Direito.
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