O latim é uma língua morta. Mas não é apenas isso: quando morre uma língua, morrem certas ideias e conceitos que ela expressava perfeitamente.
Um deles é "sub specie aeternitatis", do ponto de vista da eternidade. É nele que penso em cada virada do ano, quando a nostalgia me assalta e as ansiedades futuras também.
Foi Baruch Spinoza (1632–1677) quem deu nova vida à expressão latina. Compreender a realidade, fora das limitações do tempo e do espaço, é olhar para o mundo sob essa ótica superior.
E, por meio desse ângulo, tudo ganha um valor relativo. Nossas ambições ou frustrações, nossos desejos ou medos, nossos planos ou fracassos —tudo isso é um detalhe que dura um segundo, ou menos que um segundo, no caudal infindável do tempo.
Imagine uma colônia de formigas. Do ponto de vista da eternidade, nós somos as formigas. Não sei se Robert Zemeckis leu Spinoza. Mas o seu "Here – Aqui", que estreia no Brasil já em janeiro, ilustra o ponto.
Corrijo. Quem o ilustrou primeiro foi Richard McGuire, na sua primorosa novela gráfica. Zemeckis leu, gostou, chamou a sua tribo —Eric Roth no roteiro, Tom Hanks e Robin Wright para os papéis principais— e fez o filme.
Aqui entre nós, o longa é mediano, e o seu sentimentalismo fácil, devidamente ensopado pela música de Alan Silvestri, tornaria a obra intragável.
Mas o conceito é notabilíssimo: um só plano, sempre no mesmo lugar, filmando a passagem do tempo. Bilhões de anos de evolução —das primeiras lavas aos primeiros dinossauros; dos primeiros nativos aos primeiros americanos independentes, até chegarmos à construção de uma casa naquele lugar. Ali.
Depois, quando a casa está construída, tudo o que vemos é uma sala e os habitantes que vão desfilando nela ao longo de décadas, séculos. A câmera de Zemeckis oferece o ponto de vista da eternidade. E que vemos através dela? Sim, o embrulho vai mudando —mobília, cortinados, sofás. Rádio, televisão, computadores. Habitantes, seus trajes, seus comportamentos.
A única coisa que não muda é o carrossel de sentimentos humanos. Não interessa se falamos de um casal na era dourada, na era do jazz, no pós-Segunda Guerra ou na Guerra do Vietnã.
Ou durante os dias de hoje.
Nada do que é humano nos é estranho, para citar outra frase latina. Vemos as mesmas ilusões, as mesmas esperanças, os mesmos planos para a vida. As mesmas contingências que alteram, ou acabam, com os planos. O envelhecimento. A doença. A morte, em tom cômico ou trágico, tanto faz.
E os filhos que chegam. E os filhos que partem. E os filhos que retornam —ou não. Histórias de amor que prometiam tanto e falharam tanto. Solidão. Arrependimentos. Ou nem por isso: segundas oportunidades.
Depois, o tempo dá um salto e vemos tudo outra vez —na mesma sala, no mesmo espaço, no mesmo canto do mundo. A natureza humana é o supremo clichê.
Agora que o ano caminha para o fim, a mídia é generosa em análises prospectivas sobre 2025. O tom, usualmente, é sombrio. Fácil entender por quê.
Guerra na Europa. Guerra no Oriente Médio. Possibilidade de guerra no Indo-Pacífico. E o homem laranja na Casa Branca, pairando sobre a Terra como a sombra de Nosferatu.
Mas, excetuando um asteroide mal-humorado ou uma guerra nuclear, 2025 será igual a 1925, e a 1825, e a 1125. Do ponto de vista da eternidade.
Basta instalar uma câmera na minha sala, ou na sala do leitor, e espreitar para o passado, para o presente e para o futuro.
Vejo pela lente a selva, os primeiros arruamentos, as primeiras iluminações. As primeiras paredes, janelas, coberturas.
Vejo os meus antepassados, ou os seus antepassados, com a sensação única de que eram únicos, vivendo na vertigem do tempo, cultivando projetos, lamentando o que fizeram ou não fizeram.
Vejo-me a mim, vejo você, alentado ou deprimido com as forças das pequenas coisas, como alentados ou deprimidos serão os homens que ainda não chegaram para habitar a mesma sala, para a destruir, para a reconstruir, para a destruir de novo.
Em 2025, do ponto de vista da eternidade, continuaremos a mesma espécie mesquinha, calorosa, raivosa, sonhadora, amedrontada ou corajosa. Vamos amar, ferir quem amamos, acalentar sonhos, destruir sonhos.
Tudo vai mudar, nada vai mudar. O novo ano é o velho ano que será igual a todos os novos anos.
Há formigas que lamentam essa salvífica pequenez. Mas, quando escuto as 12 badaladas, fico imaginando como será a vista lá do alto para o formigueiro cá embaixo.
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