O presidente Lula (PT) ameaçou demitir o comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, devido à publicação de um vídeo institucional em que a Força rebatia as acusações de privilégios militares no contexto da discussão dos cortes de gastos do governo.
Lula foi demovido da ideia pelo ministro José Mucio (Defesa) na conversa que ambos tiveram em São Paulo nesta semana, segundo interlocutores das duas autoridades. Pelo relato, o presidente ainda não digeriu a peça publicitária alusiva ao Dia do Marinheiro, 13 de dezembro.
Nela, em tom de ironia e desafio, as dificuldades da vida militar eram expostas, com uma marinheira questionando ao fim: "Privilégios? Vem pra Marinha". Olsen foi admoestado por Lula e Mucio, e o vídeo foi retirado das redes da Força.
O mal-estar perdurou, em especial com o país enredado pela disparada do dólar, que tem no cerne a dificuldade de Lula de aceitar cortes de gastos em seu malvisto pacote de ajuste fiscal. A questão da previdência dos militares foi um dos temas mais espinhosos a ser tratado pela Fazenda, e as mudanças de regra acabaram colocadas em um projeto de lei enviado ao Congresso.
Na conversa com Mucio, Lula voltou a queixar-se da Marinha e sugeriu a demissão de Olsen. O ministro contemporizou e disse que, se era para alguém ir embora, seria melhor que fosse ele, um civil, evitando assim mais uma crise entre o petista e os militares.
Isso não significa que haja relação entre o vídeo e o desejo de Mucio, contudo: o ministro já pensava havia meses na saída, e vocalizou sua intenção a Lula antes mesmo de falar sobre Olsen. Haveria, contudo, impacto relacionado: a demissão impediria o ministro de deixar agora o cargo.
Outro fator pesou: além de contratar uma crise militar em um momento tenso, quem substituiria o comandante? O Almirantado é visto como um dos colegiados mais refratários ao petismo nas Forças.
O antecessor de Olsen, Almir Garnier, está indiciado no inquérito da trama golpista que buscava manter Jair Bolsonaro (PL) no poder porque, segundo seus pares de então nas outras Forças, aceitou participar do plano.
Isso dito, o fastio de Mucio com o cargo não é segredo na Esplanada, dado o que seus aliados consideram falta de apoio. O presidente, mais especificamente seu entorno no PT e no Palácio do Alvorada, são extremamente críticos dos fardados, a quem não perdoam pela simbiose que setores das Forças tiveram com o governo Bolsonaro.
O 8 de janeiro e a posterior revelação da trama golpista, que viu 25 militares indiciados e o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto preso, entre outros fardados de alto escalão, deu a munição necessária para o combate à Defesa por essa ala mais à esquerda de Lula.
Um ponto agudo dessa relação foi a demissão do então comandante do Exército com apenas 20 dias de governo, pelo comportamento omisso ante à balbúrdia em Brasília. Depois, a tentativa de enquadrar ainda mais os militares, mudando o artigo que regula as Forças na Constituição, que foi abortada por Mucio.
Entrou em campo a discussão de uma emenda constitucional sobre o tema mais ampla, visando implantar um cordão sanitário entre caserna e política, impedindo que candidatos derrotados voltem às suas unidades, por exemplo.
A questão do corte de gastos, contudo, embaralhou o jogo. Poucas coisas irritam mais oficiais-generais do que a acusação de que têm privilégios incompatíveis com a realidade do país. O argumento padrão é o rigor da vida militar, que obriga mudanças constantes de cidade, e os salários no geral, inferiores aos de setores como o Judiciário.
Mucio sempre foi o contraponto às pressões, trabalhando principalmente com o comandante do Exército que assumiu na crise, general Tomás Paiva, para tentar afastar o debate político dos quartéis. Tem funcionado, mas a duras penas e de forma precária, como o episódio do vídeo mostra.
De todo modo, o ministro considera sua missão cumprida. Há questões de ordem familiar e o cansaço pelo embate constante com a ala esquerda do governo. Com 76 anos e longa ficha de serviço público, seus aliados dizem que ele não tem mais nada a provar.
O risco de quebra de hierarquia é um fantasma que segue assombrando as Forças. Múcio só deve sair do governo no começo de 2025, e Lula busca alguém com perfil semelhante ao dele.
O primeiro nome que surgiu foi o de sempre, o do vice-presidente Geraldo Alckmin, que já recusou a missão durante o governo de transição e segue com a mesma posição.
Vários nomes foram especulados, e um que emergiu foi o do secretário-executivo de Alckmin no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Márcio Rosa.
Ele tem uma relação conhecida com o setor de Defesa, que pode ser algo bom ou ruim, a depender do prisma. No cargo, supervisionou a entrada do MDIC como parte em favor da indústria nacional em um processo que visa punir a americana Boeing por roubar engenheiros de empresas brasileiras.
A fabricante mais afetada foi a Embraer, onde Rosa ganhou um cargo no Conselho de Administração logo depois de o MDIC alinhar-se aos brasileiros no processo. A pasta nega qualquer conflito de interesses.
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