"Clarice Lispector Entrevista" é um livro lançado há pouco pela editora Rocco, organizado pela britânica Claire Williams, perita na escritora. Compõe-se de 83 entrevistas feitas por Clarice publicadas nas revistas Manchete, em 1968-69, e Fatos&Fotos-Gente, em 1976-77, com grandes nomes de então. Clarice era cult, mas sem muito público, e tinha de se virar como tradutora, cronista ou ghost writer de famosos. Nessas entrevistas, aprende-se mais sobre ela do que sobre os entrevistados —o que não tem importância, já que ela é mais interessante do que a maioria deles.
Não por coincidência, Manchete e Fatos&Fotos-Gente tinham o mesmo diretor naqueles dois períodos: Justino Martins, talvez o maior revisteiro da imprensa brasileira, mas homem sensível à literatura e, em seus tempos de correspondente em Paris, nos anos 1950, amigo de André Gide, Jean Genêt e Colette. Nada de surpreendente, portanto, que, à frente de revistas comerciais e de grande tiragem, Justino (1917-83) as enobrecesse com escritores que admirava. E Manchete, que já tinha Rubem Braga, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos entre os colaboradores fixos, ganhava mais um com Clarice.
Em jovem, trabalhei sob as ordens de Justino como repórter, redator e chefe de Redação. Em 1972, vi-o criar na Manchete uma série de artigos semanais sobre literatura, "As Obras-Primas que Poucos Leram", cada qual destacando um clássico segundo ele mais conhecido do que lido, como "A Odisseia", de Homero, "Madame Bovary", de Flaubert, "Ulisses", de Joyce. Em generosas oito ou dez páginas, os artigos resumiam a trama do livro, davam um perfil do autor e descreviam o panorama da época, tudo com o habitual show de fotografias da Manchete. Foram quase 300 artigos até 1977.
Em começos de 1968, vi várias vezes uma atenta Clarice à mesa de Justino na Redação da Manchete, na rua Frei Caneca. Ele lhe dava dicas para as entrevistas: "Pergunte ao Nelson Rodrigues se ele é de esquerda ou de direita"; "Ao Alceu Amoroso Lima o que ele acha da pílula"; "Ao Vinicius de Moraes por que ele troca tanto de mulher".
Assim como fazia comigo.
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