A cada nova exceção incluída na reforma tributária, o conflito de interesses por trás das regras econômicas do país se torna mais nítido. A ideia original —um sistema mais simples e neutro— vai perdendo força à medida que grupos influentes obtêm vantagens. Isso transforma a alíquota padrão em um alvo móvel, ampliando-a além do previsto e corroendo a eficácia das mudanças.
A concessão de benefícios ao refino de petróleo na Zona Franca de Manaus ou a redução tributária às Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) não são casos isolados. Já se viu o mesmo filme em episódios recentes, como o agronegócio pleiteando incentivos para carnes ou setor de turismo pressionando por imposto reduzido. A repetição do enredo não surpreende, mas preocupa, consolidando a percepção de que o sistema tributário brasileiro permanece subordinado a interesses bem articulados.
O economista Gordon Tullock, ao estudar o fenômeno do "rent seeking" (busca por privilégios), mostrava como grupos organizados empregam recursos e influência política para obter isenções, subsídios e barreiras comerciais. Essas estratégias não criam nova riqueza, pelo contrário; apenas transferem renda da maioria para poucos, gerando ineficiências e custos invisíveis. Como consequência, recursos deixam de ser aplicados de forma produtiva e passam a sustentar nichos protegidos por tais concessões.
Cada setor justifica seu tratamento diferenciado com argumentos de relevância econômica ou social. O agronegócio defende menores tributos sobre uma cesta básica extensa alegando beneficiar os mais pobres; a indústria amazonense invoca a distância e a logística; os clubes de futebol exaltam o valor cultural do esporte. No fim, quem paga a conta são as empresas sem acesso aos salões do poder e, principalmente, a população sem meios para negociar menos impostos de importação.
Esse contexto político disfuncional não apenas pressiona a alíquota padrão, mas também compromete a clareza pretendida pela reforma. A proposta de unificar tributos em IBS, CBS e um Imposto Seletivo sobre determinados bens e serviços deveria facilitar o entendimento e simplificar obrigações. Ao ceder às pressões, reacende-se o fogo das exceções, tornando o cálculo mais opaco, exigindo compensações em outros elos da cadeia produtiva e perpetuando um ciclo vicioso que impede a neutralidade fiscal.
A incapacidade do governo federal de coordenar as negociações com firmeza agrava o problema. Sem um acordo político que limite a multiplicação de exceções, a cada nova demanda surgem mais benefícios a grupos específicos, mantendo o lobby bem lubrificado. A sociedade é colocada diante de um dilema: aceitar um sistema fragmentado por privilégios ou enfrentar o encarecimento da alíquota padrão, consequência inevitável desses arranjos.
Essa concentração de benefícios especiais tem efeitos indiretos de grande magnitude. Na prática, são oportunidades perdidas, mau direcionamento de recursos e incentivos perversos que premiam a influência política, não a eficiência. O preço é um ambiente econômico menos dinâmico, menos inovador e menos transparente.
Assim, a tão proclamada reforma tributária corre o risco de se transformar em cenário de barganhas infindáveis. A cada concessão, distanciamos-nos do objetivo original de um sistema coerente com fundamentos econômicos saudáveis. Ao final, fica a sensação amarga de um potencial desperdiçado pela insistência em sustentar a busca por privilégios. Resta a esperança de que, com maior visibilidade dessas manobras, a sociedade se conscientize dos reais ganhadores e perdedores.
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