quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Mariliz Pereira Jorge - Cérebro podre, polarização e ansiedade, FSP

 Ao chegar em casa depois de um jantar com amigos, percebi que meu marido já dormia no quarto. Para não incomodá-lo com a luz do celular, me esparramei no sofá e, sem pensar, entrei no Instagram. Só tirei os olhos da tela ao perceber que o dia amanhecia. Mais de três horas entre fotos desimportantes e memes. Um mais irrelevante do que o outro, um mais idiotizante do que o próximo.

Fui para a cama com uma baita ressaca moral e agora vi a sensação descrita em umas das palavras do ano, eleita pelo dicionário Oxford: "brain rot" ou "cérebro apodrecido". A expressão se refere à deterioração mental causada pelo consumo excessivo de conteúdo inútil, em geral nas redes sociais, ou de programas de baixa qualidade. É alerta para eu deixar de ser besta, mas também para onde caminha a humanidade.

Ilustração mostra pessoa ao centro e em close. Ela segura um celular, de onde sai um canudo se conectando ao cérebro dela, que está exposto. O cérebro está pequeno, deformado, com algumas moscas e larvas. A pessoa olha vidrada para o celular e se vê refletido nos seus óculos a tela do celular, dividida em duas, em uma, tem uma pessoa dançando, na debaixo, o escritor Henry David Thoreau. Escorrem partes do cérebro do seu nariz e ouvido.
Ilustração de Carolina Daffara

Empresas especializadas em educação e linguística têm prestado valioso serviço ao rastrear as transformações pelas quais a língua passa ao refletir como a sociedade se comporta e se comunica. Na última década, vimos a adoção de termos como "fake news" (2017), impulsionado por Donald Trump, e "lockdown", que apareceu e desapareceu no mesmo ano em que "cancelamento" teve a sua coroação e nunca mais perdeu o reinado.

É interessante ver como os destaques de 2024 conversam entre si. "Brain rot", "polarização" (Merriam-Webster) e "ansiedade" (Instituto de Pesquisa Ideia) fazem parte do Zeitgeist digital, marcado pela hiperconectividade e pela cultura da instantaneidade. Além do conteúdo empobrecido, o algoritmo das redes entrega um ambiente de constante comparação, mantém o cérebro em estado de alerta e gera pressão emocional contínua. Ficamos cada vez mais ignorantes e mais deprimidos.

É o mesmo mecanismo que amplifica o viés da confirmação, alimenta a tendência de se buscar, interpretar e lembrar informações que reforcem crenças preexistentes, o que levanta barreiras intransponíveis entre grupos.

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Ainda que a divisão política não seja nova, o aumento da procura e do uso da palavra polarização reflete que a fragmentação da sociedade não dá sinais de cansaço: tem se consolidado como o nosso normal, enquanto afundamos em memes.

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