É um prazer e um alívio andar pelas ruas quase vazias dos dias entre o Natal e o Ano-Novo.
Há menos obras, menos buzinas, menos bares, menos gente, menos filas, menos estridência. Dormimos melhor, conversamos em voz baixa. Caminhar ganha transcendência, observamos mais e ouvimos sons que não pareciam estar lá, um pássaro, a chuva, o silêncio.
Entretanto, mesmo na cidade quase vazia, é possível detectar os ecos dos atos que constroem e destroem nossos cotidianos.
Nas esquinas, ainda dá para ouvir os ecos das obras que prometem prédios cada vez mais altos, impulsionados por um Plano Diretor desfigurado, que se moveu célere nas mãos de uma Câmara de vereadores incansável no afã de propor alterações sem discussão, até os últimos dias do ano.
Nas ruas, topamos com os ônibus a diesel, que vão continuar a encher a rua de fumaça e barulho, graças à inércia da prefeitura, com o beneplácito da Câmara, que, em dezembro, aprovou lei afrouxando os prazos para a compra de veículos elétricos.
Nas calçadas vazias, ainda reverberam os escapamentos abertos das motos, que fazem coro com o ronco dos carros Porsche, inesperados protagonistas na triste barbárie das ruas.
É possível também ouvir o silêncio ensurdecedor da Secretaria de Transportes a respeito das mortes no trânsito, que subiram mais uma vez, sem fiscalização ou vontade política de diminuir o laissez-faire do transporte individual.
Assim como num tsunami, em que o refluxo das águas indica que o pior está por vir, o silêncio do fim de ano parece indicar que as águas vão voltar mais ferozes.
E voltarão, metafórica ou literalmente, como na semana passada, quando as águas inundaram sintomaticamente tanto o estádio do Pacaembu como a avenida Tiquatira.
O parque linear Tiquatira é o lugar onde Hélio da Silva plantou e criou quase sozinho um bosque com trinta mil árvores. Seu automóvel foi levado pela inundação, no momento em que ele estava justamente cuidando delas.
Já no Pacaembu, com aval da prefeitura, a concessionária tocou um projeto que desbastou as encostas que seguravam as arquibancadas numa área de nascente.
A ironia fica por conta do presente de Natal que os gestores de estádios ganharam: nos últimos dias úteis do ano, o prefeito sancionou uma lei que dá o direito de ultrapassarem os limites do PSIU nos shows, e que talvez fossem a última barreira legal para quem mora nas imediações de garantir algum sossego.
Sim, é preciso aproveitar esse silêncio passageiro. Em 2025, a algazarra urbana será tremenda.
Ouviremos as máquinas cavando túneis na Senna Madureira, derrubando dez mil árvores para construir um aterro em São Mateus e desapropriando casas para aumentar o número de pistas na área urbana da Raposo Tavares.
O tumulto aumentará com as tentativas de vereadores de mexer pontualmente no zoneamento. A prática tem liberado a construção de prédios mais altos sem nenhuma preocupação com o térreo, onde estão as lojas, árvores, calçadas e padarias.
Em meio a isso tudo, daqui a duas semanas, a vida volta ao normal, talvez não imersa no burburinho gostoso de uma cidade saudável, mas sob a algazarra ensurdecedora de uma cidade que ainda não se percebeu doente.
Bom 2025!
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