Fiz 50 anos no mês passado e o presente mais marcante que ganhei foi uma coleção de palavras. Amigos, parentes e amores de vários cantos enviaram relatos em vídeo que contavam como suas trajetórias haviam sido compartilhadas com a minha. Tudo devidamente ornamentado com passagens marcantes, afetos e memórias, é claro.
Sim, parece aquela coisa chorosa de programas de televisão que isenta a gente das derrapadas e nos enaltece de maneira exagerada. Mas não posso não reconhecer o quanto o passar daqueles relatos pelos meus ouvidos, olhos e emoções, ali, na frente das minhas cinco décadas, fizeram meu coração palpitar.
Se a ansiedade é a conclamada palavra do ano no Brasil, capturando com força crianças e adolescentes, talvez uma lembrança natalina recheada de palavras seja um contraponto de aconchego e de encontro com o presente para muita gente.
Com palavras, a gente consegue reabrir aquele caminho fechado por tempestades de rancores, consegue costurar ou fazer pontes seguras em abismos de dores, consegue ter ideias para plantar futuro, consegue cicatrizar aquela ferida que arde, consegue dispensar a saudade, consegue iluminar escombros de pensamentos entrecortados.
Palavra para a criança desperta novas curiosidades, mostra novos saberes. Palavras para os jovens ajuda a pensar diferente, a organizar emaranhados de dúvidas. Nos adultos a palavra pode servir para consertar rabiscos, parágrafos cortados pela metade ao longo da jornada. Aos velhos, a palavra pode fazer companhia, pode levar felicidade.
Aos poucos e perigosamente, estamos deixando para as redes sociais o papel de interlocutoras de nossas trocas humanas, de exaltação de feitos simples como a gentileza e a cooperação —geralmente, previamente combinados—, de ações de cidadania e de aconchego, claramente ensaiados.
Aquela atenção solidária que banhava a todos especialmente em tempos duros, tempos de reflexão, agora é sequestrada pela técnica de edição e monetizada em vídeos curtos, de frases rápidas e de grande alcance que se esvaem num deslizar de dedos.
Se por um lado ampliou-se o potencial de atingir e mobilizar mais pessoas, por outro, tornou-se fórmula aquilo que sempre foi essencialmente de alma, espontâneo, memorável. As mensagens que nos bombardeiam pela tela se esvaziam antes de firmar-se como antídoto para as agruras da vida, para um sonho bom que substitui a insônia.
A palavra, então, torna-se vítima de uma fórmula que, surrada à exaustão, vai perdendo seu poder de surpreender, de comover de verdade, de despertar o viso que antecede a esperança.
A contramão disso é a gente escrever mais, falar mais, deixar bilhetes, mandar cartas, não economizar em mensagens de amor, em dizer as coisas que possam movimentar para melhor a vida de quem a gente gosta, que possam ser guardadas, relidas, revistas, reposicionadas no tempo. E tudo de graça.
Boas-festas aos leitores os quais empenhei, neste ano, um tanto de expressões para um mundo mais diverso, mais plural e onde todos caibam do seu jeito. O letramento que almejam as diferenças para viverem melhor é demorado, então, devemos nos encontrar no ano que vem para o compartilhar de mais palavras.
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