A prisão preventiva de um general de quatro estrelas, profundamente envolvido no planejamento, produção e execução de um golpe de Estado, é apenas mais um episódio no processo de destruição da imagem pública das Forças Armadas do país.
Curioso é que se há algo a que os militares costumam atribuir grande valor é precisamente à imagem da instituição. Não existe corporação militar que não considere um imperativo moral e uma responsabilidade de cada membro defender e preservar o nome, a honra e a reputação da Força à qual pertence.
Se, no atual ciclo político, as Forças Armadas chegaram a gozar de boa fama, impulsionadas pelo revisionismo histórico necessário para levar Bolsonaro ao poder na condição reivindicada de "militar", hoje sofrem um revés enorme. A instituição vê sua imagem desmoronar à medida que seus protagonistas se tornam alvos de investigações policiais, acusados de crimes gravíssimos contra a pátria e a Constituição que juraram defender. É tanto general, almirante e coronel a arrastar para a lama do golpismo mais vulgar a reputação da "família militar" que não há esforço de relações públicas capaz de produzir novamente um conceito elevado dos militares brasileiros, pelo menos em curto prazo.
Na verdade, a imagem dos militares brasileiros sempre foi negativa quando o assunto é governo e política. Essa má reputação se deve ao fato de que muitas vezes, na nossa relativamente curta história republicana, as Forças Armadas não se contiveram nos limites que lhes são reservados por constituições democráticas e avançaram para tomar o poder político por meio de tropas, tanques e fuzis.
E novamente se confirma a impressão de que nossas Forças Armadas cultivam uma mentalidade tão arcaica e regressiva sobre a própria identidade que mal se contêm nos limites de um modelo republicano de Estado. Trata-se de mentalidade certamente projetada para um regime político que não é liberal nem democrático. Não incorporaram do liberalismo a noção de uma sociedade de direitos e liberdades, de divisão de Poderes, de Estado de Direito. Tampouco absorveram da democracia a ideia de soberania popular ou respeito à vontade da maioria.
As Forças Armadas parecem estar sempre se debatendo contra as paredes da democracia liberal, tentando achar uma brecha, arrebentar uma porta ou escapar por uma janela que algum esperto, como Bolsonaro, faz questão de deixar aberta. A história nos ensina que, assim que vislumbram uma oportunidade, a ideia que logo lhes ocorre é arrebentar a democracia e tomar o poder na marra.
Meu pai, nascido nos anos 1920, viveu sob duas ditaduras. Eu, nascido nos anos 1960, passei minhas duas primeiras décadas sob uma ditadura. Agora descubro que, por muito pouco, não apenas empataria minha disputa privada com meu velho como também veria meu filho, nascido no século 21, manter a tradição familiar de viver sob autocratas.
Isso é espantoso. Não há registro de um país civilizado moderno onde militares tenham sido capazes de proporcionar ditaduras a três gerações consecutivas da mesma família.
Só nos resta supor que alguma coisa deve estar muito fora da ordem republicana nas Forças Armadas brasileiras. Em que país de democracia consolidada governos civis precisam temer que generais e almirantes tenham o atrevimento de tomar o poder político na bala ou na ameaça? Isso é típico de republiquetas. No Brasil, contudo, o costume dita que se espere um golpe ou tentativa de golpe, sempre com participação militar, ao menos a cada geração. E isso só é possível porque a mentalidade militar brasileira não parece ter absorvido os valores, princípios e regras do jogo da democracia liberal. Não sabe o seu lugar à mesa republicana.
Afinal, não pode ser mera coincidência essa obsessão mal contida por golpes e ditaduras. Uma mentalidade assim tão persistente há de ter sido cultivada e ensinada; precisa estar incrustada no DNA institucional, ser transmitida na doutrinação oferecida aos seus membros, integrar o código de honra das corporações.
Diante disso, temos apenas duas alternativas: ou os militares brasileiros resolvem suas incompatibilidades com a democracia liberal, dobrando-se a ela, ou os filhos dos nossos filhos terão que testemunhar mais uma tentativa de golpe em dez ou 20 anos. Vimos aonde nos levou o esforço do bolsonarismo para militarizar o governo; a lição apreendida, porém, é que a nossa democracia nunca será realmente estável se não trocarmos a militarização da vida pública pela civilização das nossas Forças Armadas.
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