quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Alguns dos principais eventos de 2024, do ponto de vista econômico, Bráulio Borges, FSP

 Esta é minha última coluna do ano. A ideia é relembrar alguns dos principais eventos ocorridos neste ano, do ponto de vista econômico.

Começo por aquele que ganhou destaque na minha coluna da semana passada: a forte desvalorização do real neste ano, de cerca de 25% (de 4,90 para uns 6,20). Apontei que, não fossem fatores estritamente internacionais, o R$/US$ encerraria este ano em torno dos R$ 5,60.

A imagem mostra uma nota de 5 reais à esquerda, acompanhada de quatro moedas de diferentes valores. À direita, há uma nota de um dólar americano. O fundo da imagem é azul.
Notas de real e dólar em comparação com a cotação do dia 18 de dezembro de 2024: R$ 6,26 reais é equivalente a US$ 1 - Pedro Affonso/Folhapress

Alguns analistas questionaram isso. Contudo, há várias análises disponíveis indicando que pelo menos R$ 0,50 da depreciação do real neste ano se deveu a fatores internacionais.

Como o fortalecimento de 7% do dólar, a alta de 0,7 p.p. do juro longo americano, dentre outros.

Portanto, pode-se discutir se 40% ou 50% da perda de valor do real se deveu a fatores internacionais, mas não dá para afirmar que a quase totalidade da desvalorização refletiu fatores domésticos —como insinuam aqueles que estão mais interessados em realizar um debate ideológico/"lacrador" e caçar cliques nas redes sociais.

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Convém relembrar o estudo do FMI (Fundo Monetário Internacional) que citei semana passada, que aponta que altas do dólar norte-americano de 10% ante as outras moedas fortes reduzem o PIB (Produto Interno Bruto) dos emergentes em 1,9 ponto percentual um ano depois. Portanto, a valorização de 7% neste ano não é irrelevante, vai causar bastante estrago em 2025.

Outro acontecimento importante, entre meados de 2023 e meados deste ano, foi a ocorrência de um El Niño de intensidade relativamente forte, algo que não acontecia desde 2015/16. Esse tipo de fenômeno climático gera seca nas regiões Norte e Nordeste, excesso de chuvas no Sul e temperaturas mais altas no Brasil todo.

Refletindo isso, a safra de grãos brasileira recuará quase 7% neste ano (maior queda desde 2016), o que pressionou os preços dos alimentos, a inflação total e mesmo os gastos públicos (a despesa com o Proagro, seguro rural oficial, está em quase R$ 11 bilhões desde meados do ano passado), além de ter reduzido a oferta de divisas.

O El Niño também está por trás da tragédia que assolou o Rio Grande do Sul, a qual gerou diversos impactos econômicos, também elevando o déficit fiscal deste ano, por conta dos quase R$ 15 bilhões em créditos extraordinários federais para lidar com esse evento.

Ou seja: os El Niños representam, para o Brasil e diversos países, um "choque de oferta desfavorável", que impacta negativamente o PIB e aumenta a inflação. Quão relevantes são esses choques? Estudo recente divulgado na revista Nature ("Nonlinear El Niño impacts on the global economy under climate change") aponta que as perdas econômicas causadas pelos eventos de 1997/98 e 2015/16 (que foram muito fortes) chegaram aos trilhões de dólares, sobretudo nos países em desenvolvimento e que dependem mais de agricultura.

A perspectiva de clima neutro em 2025 (ou seja, nem El Niño, nem La Niña) sustenta projeções de alta de 6% a 8% da safra de grãos brasileira no próximo ano.

Assim, uma boa análise da economia brasileira não pode menosprezar ou minimizar o fato de que somos muito afetados por aquilo que acontece no resto do mundo (condições financeiras, preços de commodities e comércio) e que as condições climáticas são cruciais para o desempenho econômico de um país em que quase 25% do PIB está associado ao agronegócio e cerca de 60% da geração de eletricidade depende de chuvas.


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