Ainda nos anos 1990, José Marcos contemplou o caminho que já tinha percorrido na vida. Tecelão de redes em Caicó (RN), aos 12 anos decidiu guardar sua renda para estudar na escola privada da cidade. Deu certo.
Depois do ensino médio, ingressou na carreira militar. Estava com 21 anos, fazia a graduação em matemática na UFPE para avançar na carreira. Tinha comprado casas para a sogra, para a mãe e para viver com sua esposa e dois filhos. O carro próprio estava na garagem, e sua perspectiva era se aposentar antes dos 50.
Eram tantas bênçãos que ele se perguntou: como poderia demonstrar gratidão a Deus? A questão de natureza filosófica permaneceu com ele: como agradecer a um ser que já tem tudo?
De família católica, pensou primeiro em percorrer de joelhos a procissão durante a festa de Sant’Ana, em sua cidade. Mas não. Era pouco. Naquele tempo, já tinha amigos crentes. Considerou, então, doar dinheiro para a realização de um culto seguido por um churrasco para a família e os amigos. Também não parecia suficiente.
Tanto ele perguntou e quis saber que, um dia, a resposta se materializou em seu coração. Ele agradeceria a Deus fazendo por outras pessoas aquilo que ele próprio tinha recebido de Deus.
Não era a resposta que desejava. Para servir ao próximo, ele teria que abrir mão do que tinha conquistado, da segurança material e dos planos futuros.
Naquele mesmo dia, compartilhou a reflexão com sua mulher: abdicar da carreira militar e do sonho de se aposentar com dois carros e uma casa na praia. E começar do zero como seminarista com dois filhos pequenos. Vamos?
José Marcos e sua esposa conversaram e refletiram durante seis meses, até que ela embarcou no projeto. Depois, foram cinco anos conciliando o trabalho no quartel durante o dia e os novos estudos à noite. Até assumir uma igreja.
Alguns anos depois, o filho mais velho de José Marcos foi diagnosticado com um tumor maligno no cérebro. A família dependia do SUS para o tratamento. Os médicos alertaram: a chance de recuperação do rapaz era de 1%. Mas, naquele ponto, a família já tinha abraçado a incerteza.
Ninguém passa ileso pelo tratamento de câncer de um filho. Mas, assim como fez antes, eles entregaram suas dúvidas e angústias a Deus, seguiram a vida e cuidaram do que estava ao seu alcance, orando e servindo ao próximo.
Em novembro deste ano, quando visitei a Igreja Batista em Coqueiral, em Recife, vi uma congregação em que o púlpito fica do lado de fora, no mesmo pátio em que a garotada joga futebol à tarde.
Vi crianças em salas de aula, membros da comunidade ofertando atendimento psicológico e outros serviços. Vi a igreja encubando uma empresa de produção de vídeos gerida pelos jovens do bairro.
E vi a neta mais nova do hoje pastor José Marcos sendo apresentada à igreja junto com suas primas mais velhas, filhas daquele rapaz que, no fim das contas, venceu o câncer.
"Amai-vos uns aos outros." Ainda não sei se o nome disso é milagre ou apenas comunidade.
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