Uma pesquisa da Genial/Quaest ouviu 102 operadores do mercado financeiro do Rio e de São Paulo para aferir o que eles pensam a respeito do governo. Resultou um prenúncio do fim do mundo: 98 acreditam que a economia vai piorar, 90 não confiam no governo e 85 acham que a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos é prejudicial.
Esse resultado tem cara e coroa. Num lado, mostra o que pensa o "mercado", no outro como pensa esse mesmo "mercado". (Paul Volcker, o gigante que dirigiu o Banco Central americano colocava a palavra entre aspas porque não sabia o que era esse ectoplasma.)
A divulgação dessa pesquisa coincidiu com novos dados sobre a situação de Pindorama. Com números de 2023, o IBGE informou que a pobreza extrema caiu de 31,6% para 27,4%. Em números absolutos os pobres eram 67,7 milhões e ficaram em 59 milhões.
O "mercado" acha que a isenção da cobrança de Imposto de Renda para o andar de baixo prejudica a economia. Ecoa um velho trabalho do professor Albert Hirschman (1915-2012) onde ele mostrou como o pensamento reacionário sustenta que os avanços sociais prejudicam aqueles que pretendem beneficiar.
O governo quer compensar a perda de arrecadação estimada em R$ 35 bilhões, resultante de um alívio para o andar de baixo, cobrando uma alíquota de até 10% para quem tem renda superior a R$ 600 mil por ano e paga menos que isso.
Trata-se de uma forma astuciosa (ou marota) de taxar dividendos. Pega leve em profissionais liberais e pesado no andar de cima. O médico que fatura R$ 600 mil no ano e já paga Imposto de Renda tomará uma dentada. Já o milionário que fatura R$ 10 milhões e pode vir a pagar menos imposto que o médico tomará uma mordida de R$ 1 milhão. É disso que o "mercado" não gosta.
UM BAFO DO SÉCULO 19 SOBRE O 21
Pindorama tem as suas peculiaridades. Vive-se num dos países socialmente mais desiguais e todos são contra a desigualdade, desde que a conta vá para o outro.
Imagine-se que Lula decidisse confiscar todas as terras onde ocorrem incêndios propositais. Nessa cumbuca entrariam fazendas hipotecadas a bancos. Absurdo dos absurdos, não pode acontecer.
Coisa parecida já aconteceu, em 1888, quando ruiu um pensamento reacionário, que cozinhou por mais de meio século o contrabando de africanos escravizados e a própria escravidão.
João Maurício Wanderley, barão de Cotegipe, era bem casado. Havia governado a Bahia, ocupou três ministérios e presidiu o conselho do Império. Em abril de 88 ele escreveu ao Barão de Penedo (elegante negociador/corretor da dívida externa junto à Casa dos Rothschild):
"Para que lei de abolição? De fato está feita –e revolucionariamente. Os proprietários aterrados procuram conter o êxodo –dando liberdade imediata aos seus escravos. Eis o segredo de tantas libertações".
A abolição viria, aprovada a toque de caixa. Na véspera, Cotegipe foi para a tribuna do Senado. Reconheceu que, àquela altura, não existia alguém "mais impopular nesta terra do que eu."
Fez um longo discurso e a certa altura colocou um argumento impecável para o "mercado":
"O proprietário que hipotecou a fazenda com escravos, porque a lei assim o permitia, delibera de seu motu proprio alforria-os, o que pela nossa lei constitui um crime. (...) Os bancos, os particulares, adiantaram somas imensas para o desenvolvimento da lavoura, das fazendas. Que percam! (...) A verdade é que há de haver uma perturbação enorme no país durante muitos anos, o que não verei, talvez. (...) Se me engano, lavrem na minha sepultura este epitáfio: O chamado no século Barão de Cotegipe, João Maurício Wanderley, era um visionário!"
Era um reacionário catastrofista. A abolição veio no dia seguinte. Wanderley morreu nove meses depois e não aconteceu nada, além de ter acabado a escravidão.
Nem Tarcísio e muito menos Derrite controlam a tropa que comandam
Problema ficou de outro tamanho após estímulos vindos de governador e secretário
O governador Tarcísio de Freitas já foi oficial do Exército. Ele sabe que o problema de sua Polícia Militar já foi apenas o uso da violência em operações banais. Hoje, depois de quase dois anos de estímulos vindos dele e do seu secretário da Segurança, o problema ficou de outro tamanho.
Nem ele e muito menos o capitão-deputado-secretário Guilherme Derrite controlam a tropa que comandam.
Tarcísio já viu coisa parecida no Haiti.
BLEFE
Juízes e promotores insurgiram-se contra o teto de R$ 44 mil para os servidores e ameaçam com uma enxurrada de pedidos de aposentadoria.
É blefe. Aposentados ficam sem gabinete, sem secretárias e, em muitos casos, sem carro oficial com motorista.
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