É para orientar as pessoas e facilitar serviços e políticas públicas que os logradouros são identificados.
Em "Evocação do Recife", Manuel Bandeira rememora: "Rua da União... / Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância / Rua do Sol / (Tenho medo que hoje se chame de Dr. Fulano de Tal) / Atrás de casa ficava a Rua da Saudade... / ... onde se ia fumar escondido".
Ainda há ruas românticas. Em São Paulo, rua Simpatia, rua Borboletas Psicodélicas, mas predomina o nome de alguém morto, justa ou injustamente lembrado.
Segundo o IBGE, há mais de 106 milhões de endereços no Brasil, cerca de 20% sem numeração. A maioria tem designação genérica (rua Um, rua D, rua Principal) ou homenageiam santos da Igreja Católica. Mas vultos da história, como Tiradentes e Getúlio Vargas, também se destacam.
Às vezes, nomes oficiais são ignorados. Ninguém chama o Minhocão de elevado Presidente João Goulart que antes era Presidente Costa e Silva, o ditador. A rua Dr. Francisco Thomaz de Carvalho, meu bisavô, abolicionista e republicano, é o famigerado Ladeirão do Morumbi, cenário cotidiano de criminalidades. Evite o Ladeirão, é o que se diz.
Controvérsias sobre endereços paulistanos agitam a cidade.
Juiz da Fazenda Pública deu prazo de 60 dias para que a Prefeitura altere o nome de locais que reverenciam o regime militar.
Um dos alvos é o delegado Romeu Tuma, que malandramente fazia papel de bonzinho enquanto se torturava na sala ao lado. Lei municipal proíbe alteração de nome de vias e logradouros públicos, salvo em casos especiais, como o de endereço homônimo ou referente a autoridade que cometeu crime de lesa-humanidade ou graves violações de direitos humanos.
A ponte das Bandeiras, inaugurada em 1942, teve o nome alterado em 2017 para ponte das Bandeiras Senador Romeu Tuma. A "desomenagem" é merecida.
Circunstância curiosa, em relação ao ditador Getúlio Vargas e ao chefe da sua polícia política, Filinto Mulller, responsáveis, por exemplo, pela entrega de Olga, mulher grávida de Luiz Carlos Prestes, para a Gestapo de Hitler, para ser morta em campo de concentração nazista, nada se fala, nada se faz. Em São Paulo, por conta de conflitos políticos dos anos 1930 e 1940, as ruas são acanhadas e estão distantes do centro e de regiões "nobres" da cidade, mas existem.
A prefeitura de São Paulo recuou do projeto infame de promover campanha publicitária para que o largo da Batata, assim conhecido desde a década de 1920, por concentrar comerciantes do tubérculo, passasse a ser "largo da Batata Ruffles".
Discussão mais complexa envolve a figura do bandeirante: a historiografia paulista o transformou em símbolo da brasilidade e da expansão territorial. Mas se Fernão Dias, Pedroso de Morais, Fradique Coutinho e Cunha Gago ainda fazem parte dos cruzamentos de Pinheiros, em 2023, a rua Jorge Velho, no Bom Retiro, passou a se chamar rua Zumbi dos Palmares.
Resta saber o que será do Monumento às Bandeiras, obra colossal do escultor modernista Victor Brecheret, no Ibirapuera. Se não prevalecer proposta mais radical, de demolição, pelo legado figurativo de violência contra indígenas e quilombolas, pode ser rebatizado, quem sabe, para Monumento do Não-Adianta-Empurrar.
Feliz Natal.
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