domingo, 22 de dezembro de 2024

Samuel Pessôa - Resposta a Celso sobre política fiscal, FSP

 Meu amigo Celso Rocha de Barros perguntou-me o que fazer para arrumar a política fiscal. Segue, com alguns ajustes, minha resposta. Desde já vai meu agradecimento a Celso por me dar a oportunidade de organizar as ideias.

Diagnóstico: o problema é o mesmo do período anterior, que levou à nossa grande crise de 2014 até 2016: as regras existentes para a evolução do gasto obrigatório do governo central demandam que a despesa, sistemática e permanentemente, cresça a uma taxa superior à taxa de expansão da economia. A trajetória do gasto é insustentável.

A ilustração do Amarildo publicada na Folha de São Paulo em 07 de abril de 2024, no formato horizontal, mostra um homem de terno azul escuro se equilibrando na corda bamba, com uma vara nas mãos e em cada ponta da vara um saco de dinheiro, na cor verde. Na parte debaixo da ilustração aparece um quarto do planeta Terra com 3 explosões em forma de bola de fogo sobre ele e vários mísseis em todo o fundo da ilustração caindo sobre o planeta. Do lado direito, ocupando um quinto da ilustração, um dragão da inflação gigante, lançando fogo na corda. O fundo da ilustração é um degradê do verde azulado claro para um laranja forte na parte inferior.
Despesa crescer mais que a economia torna insustentável a trajetória do gasto - Amarildo/Folhapress

Dois são os mecanismos que causam insustentabilidade. Primeiro: a regra de valorização do salário mínimo. As políticas públicas vinculadas ao mínimo —o piso dos benefícios do RGPS (Regime Geral de Previdência Social) e alguns importantes programas da assistência social— crescem pela soma da taxa de crescimento do número de benefícios com a taxa de crescimento do valor real do salário. O número desses benefícios cresce à taxa de 2% a 3% ao ano. O potencial de crescimento da economia está entre 2% e 3%. Se o salário mínimo aumenta em termos reais, necessariamente o gasto público total das políticas públicas vinculados ao benefício (fatia muito grande do Orçamento) crescerá a uma taxa superior à taxa de expansão da economia.

Uma proposta: indexar o salário mínimo ao IPCA, e, anualmente, o Congresso Nacional, a partir da existência de espaço fiscal, decidir o crescimento real do benefício. Enquanto a dívida pública crescer e/ou estiver maior do que um valor de X% —a ser decidido pelo Congresso—, o mínimo não poderá se elevar em termos reais. A mesma regra deveria se aplicar para a alteração do limite de isenção do IRPF: amplia-se o limite de isenção, mas o novo limite somente valerá após a mudança na dinâmica da dívida pública.

A segunda fonte de insustentabilidade da política fiscal é a vinculação do gasto mínimo constitucional em saúde e educação à receita corrente líquida (RCL). Dois problemas: 1) a RCL é variável (muito volátil), e o gasto em saúde e educação é estável. Não é possível vincular a evolução do gasto em saúde e educação a uma base volátil; 2) essa regra dificulta muito um ajuste fiscal por meio de elevação da receita. O aumento da receita automaticamente eleva parte do gasto, neutralizando boa parcela do ajuste fiscal.

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Proposta: adotar para os mínimos constitucionais de saúde e educação a mesma regra do arcabouço fiscal: 70% do crescimento da RCL, com piso e teto. O piso e o teto reduzem muito a volatilidade da RCL.

As propostas explicitam a dificuldade que temos. Elas essencialmente restabelecem boa parcela das instituições fiscais do governo Temer (mantêm, no entanto, o arcabouço fiscal implantado por Lula 3, que é mais flexível do que o teto dos gastos). Essas instituições tinham sido rejeitadas pela sociedade. Ou seja, temos um impasse. Nossa economia política pede algo que a economia não consegue entregar: gasto público que cresce permanentemente acima da economia, sem que a carga tributária cresça permanentemente e sem que a dívida pública cresça indefinidamente. A instabilidade dos mercados segue do reconhecimento desse impasse e da falta de apetite da liderança do país em arbitrar uma saída que reconstrua a sustentabilidade da política econômica.

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