O governo federal avalia usar parte dos recursos de um acordo com a empresa Rumo para resolver os problemas gerados pela passagem frequente de trens em Morretes, cidade turística de quase 20 mil habitantes localizada entre a Serra do Mar e o litoral do Paraná.
A ideia defendida pela prefeitura é a construção de ao menos uma trincheira em um dos três pontos da cidade onde a ferrovia interrompe a passagens de veículos. A obra é estimada em R$ 25 milhões pelo município, que há décadas tem cobrado a União por uma solução.
A mudança no traçado da ferrovia não é considerada uma alternativa. Além da possível supressão de mata atlântica que isso geraria na região, o trem também está ligado ao turismo na cidade.
A linha férrea concedida à Rumo pela União é utilizada para transportar cargas agrícolas até o Porto de Paranaguá e também para os passeios promovidos pela Serra Verde Express entre a capital Curitiba e Morretes. A rota atrai cerca de 250 mil pessoas por ano, principalmente pela beleza natural do lugar, uma faixa preservada de mata atlântica.
A história da própria ferrovia também é lembrada para o turista que faz o passeio. A obra foi concluída em 1885 pelos irmãos André e Antônio Rebouças, os primeiros engenheiros negros do Brasil, que exigiram que a construção da linha férrea não tivesse mão de obra de pessoas escravizadas —a Lei Áurea foi sancionada três anos depois.
"Não somos contra a ferrovia. Sabemos que o escoamento da safra do país passa por aqui, o agro é forte, e o passeio de turismo no trem é considerado um dos dez mais bonitos do mundo. Mas precisamos de passagem de nível, porque o trem passa o tempo todo, 24h. Fora os acidentes", diz o prefeito Junior Brindarolli (PSD).
O trecho da ferrovia que atravessa a área urbana da cidade tem cerca de 70 quilômetros. "Não tem um tempo certo, mas geralmente o morador tem que esperar uns 20 minutos parado. Às vezes mais, às vezes menos. E se uma ambulância do Samu ou do Siate precisar atravessar? Tem composições com 160 vagões", afirma ele.
Brindarolli diz que todos os municípios brasileiros que têm linha férrea ativa deveriam ser compensados de algum modo e que o custo de uma obra de passagem de nível inferior em Morretes, como uma trincheira, ficaria em torno de R$ 25 milhões, daí a necessidade de buscar recursos junto à União.
"O município não tem como bancar. Nosso orçamento para o ano todo é de R$ 100 milhões", diz ele, que em outubro participou de uma reunião na Secretaria Nacional de Assuntos Ferroviários, articulada pelo deputado federal Aliel Machado (PSB-PR), para discutir o assunto.
Segundo Machado, já há um compromisso do governo federal com a obra e o debate agora tem sido em torno de como executá-la.
Uma das alternativas ventiladas na mesa de reunião naquele mês foi utilizar recursos da repactuação da concessão da Rumo Malha Paulista, cujo contrato com a União foi recentemente prorrogado até 2059. A Malha Paulista abarca trechos (2.118 km no total) em São Paulo e Minas Gerais.
Mas a reportagem apurou junto ao Ministério dos Transportes que o dinheiro deve sair do próprio contrato de concessão da Rumo Malha Sul, que abriga o traçado de Morretes. No total, a Malha Sul tem 7.223 km de ferrovias que cortam quatro estados, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e também São Paulo.
A ideia seria utilizar parte dos recursos que a Rumo pagará à União no âmbito de um acordo homologado no ano passado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e no qual a empresa devolve cerca de 100 quilômetros de ferrovia entre Presidente Epitácio e Presidente Prudente, em São Paulo.
A devolução, segundo a pasta, deve gerar uma indenização estimada em até R$ 250 milhões. "Diante disso, o ministério avalia a melhor forma de utilizar esses recursos, incluindo ações voltadas ao enfrentamento do conflito urbano em Morretes", informou a pasta à reportagem.
O ministério não deu outros detalhes. Para o prefeito, a forma mais rápida de fazer a obra seria se a própria Rumo executasse o serviço. "A gente sabe que obra pública, em razão do processo de licitação, pode demorar um pouco mais. E a população espera há décadas pela solução disso", diz Brindarolli.
Procurada pela reportagem, a Rumo respondeu, em nota, que a concessão da Malha Sul "está em avaliação no grupo de trabalho conduzido pelo Ministério dos Transportes, inclusive no que tange a eventuais indenizações ou obras associadas à ferrovia".
O trecho de Morretes foi concedido em março de 1997 e o contrato com a Rumo segue vigente até fevereiro de 2027. A expectativa da prefeitura é que a obra seja anunciada em breve e iniciada em 2026.

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