quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Lei do cardápio impresso é vitória para a garotada sênior de SP, FSP

 Marcos Nogueira

São Paulo

Gosto de pensar que não sou tão velho assim —um justo e legítimo exercício de autoengano.

A realidade é que em breve terei direito a viajar de graça no transporte público. A presbiopia dizimou minha visão; a memória, que também começa a ratear, guarda certas coisas que os jovens nem imaginam ter existido.

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Funcionário do bar Astor, na vila Madalena, zona oeste de SP, testa o QR code para acessar ao cardápio de bebidas do estabelecimento em julho de 2020 - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Tenho lembranças borradas de quando meus pais, por falta de alguém para cuidar de mim, me arrastavam para restaurantes chiques na década de 1970.

A luz era invariavelmente baixa, perturbadoramente baixa, assim como era baixo o volume das conversas.

Os cardápios, impressos em papel de gramatura pesada, tinham suas peculiaridades. Alguns vinham em francês, sem explicação alguma no idioma pátrio. Outros exibiam o preço da comida apenas nos exemplares entregues aos homens adultos —a quem cabia pagar a conta, afinal.

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Um show de discriminação e exclusão. O mundo mudou muito desde então, mas ele dá tantas voltas que não raro acaba no mesmo lugar de antes.

É o caso dos cardápios em código QR, para serem acessados no celular. Solução de emergência na pandemia, eles se tornaram permanentes por serem práticos e baratos para os donos de restaurante —tanto que muitas casas aboliram a ementa física.

Eis que uma lei estadual paulista, aprovada na terça-feira (16) na Alesp, determina a obrigatoriedade do menu impresso. O texto precisa ser sancionado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Boa notícia, pois o cardápio digital é tão excludente quanto o cardápio francês e sem preços d’antanho.É etarista porque dá uma banana para a garotada sênior que perdeu o bonde em algum dos saltos tecnológicos dos últimos tempos.

Exclui os mais pobres porque presume que o cliente tenha um celular com plano de dados, memória e bom funcionamento —não que a gastronomia seja inclusiva e democrática per se, mas trata-se de um obstáculo extra e totalmente desnecessário.

É, sobretudo, chato demais.

E se meu celular estiver sem bateria? E se eu simplesmente não carregar um celular?

Os argumentos pró-QR code, essencialmente o custo menor e a facilidade para alterar itens e preços do menu, são muito frágeis.

Ninguém está exigindo cardápio em papel couchê com capa de couro. Uma impressora mequetrefe dá conta do recado. Ou um mimeógrafo, em homenagem às gerações que perderam o bonde e foram atropeladas pelo BRT.


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