[RESUMO] O texto analisa a ascensão da teologia da prosperidade como expressão de um deslocamento mais amplo da fé em direção à lógica do mercado. Ao transformar riqueza material em sinal de bênção e pobreza em falha espiritual, essa teologia submete o sagrado à gramática do desempenho, do cálculo e da recompensa. O antigo conceito bíblico de Mamon reaparece como símbolo desse processo, no qual o dinheiro deixa de ser meio e passa a ocupar o centro da experiência religiosa. O resultado é uma espiritualidade funcional, que oferece consolo individual, mas esvazia o mistério, enfraquece a crítica social e legitima desigualdades em nome da fé.
Em muitos templos pelo país, fiéis são convidados a subir ao púlpito para relatar conquistas materiais: a casa financiada, o carro novo, a empresa que prosperou "pela fé". Carteiras de trabalho, chaves de carro e contratos são ungidos em cultos transmitidos ao vivo. Pastores falam em "sementes", "investimentos" e "retornos". O vocabulário não é casual. Ele traduz uma teologia em que prosperidade material se tornou sinal de bênção divina, e a pobreza, indício de falha espiritual.
Esse deslocamento não surgiu do nada. Ele tem nome antigo. Mamon é um conceito quase arquetípico que atravessa a teologia ocidental desde que um carpinteiro da Galileia fez uma advertência radical: "Não podeis servir a Deus e a Mamon" (Mateus 6:24).
No aramaico, māmōnā significava riqueza ou propriedade. No discurso de Jesus, porém, o termo se personifica: deixa de ser coisa e se torna poder rival, uma soberania que exige lealdade exclusiva. Mamon não é o dinheiro no bolso, mas o dinheiro entronizado no coração.
Em um mundo secularizado, no qual grandes sistemas de crença perderam força, Mamon não apenas sobreviveu como prosperou. Sua manobra mais eficaz foi deixar de se apresentar como adversário da fé para tornar-se seu patrocinador.
A infiltração de Mamon nas religiões contemporâneas se expressa de forma mais visível na chamada teologia da prosperidade, nascida nos Estados Unidos e hoje globalizada. Nela, a lógica tradicional do cristianismo sofre uma inversão decisiva: a riqueza passa a ser sinal inequívoco do favor divino, enquanto a pobreza é associada à falta de fé, ao pecado ou à maldição.
Deus é então reimaginado como uma espécie de sócio-investidor celestial, disposto a "derramar bênçãos" desde que o fiel demonstre confiança —quase sempre por meio de atos financeiros. A fé se materializa em doações, ofertas especiais e "votos de sacrifício", tratados como investimentos espirituais com promessa de retorno. Essa lógica não se limita ao neopentecostalismo: ela se infiltra em espiritualidades seculares, como a chamada Lei da Atração, que promete que o universo conspirará a favor de quem "vibrar na frequência da abundância".
As práticas que decorrem dessa visão são explícitas e ritualizadas. Campanhas financeiras estabelecem desafios de doação para "quebrar correntes da miséria". O léxico é importado do mundo dos negócios: fala-se em honrar a Deus com as primícias, devolver o dízimo para afastar o "espírito devorador" e destravar bênçãos "sem medida". O púlpito se converte em vitrine de sucesso material, e o testemunho de fé se mede por bens adquiridos.
Nesse modelo, a relação com o divino assume um caráter profundamente transacional. A oração se aproxima de uma ordem de compra; a bênção, de um dividendo esperado. A fé se organiza como um sistema de recompensas, com placar visível nos extratos bancários. É a gamificação da espiritualidade.
As consequências são profundas. A primeira é uma inversão ética. A cobiça, antes condenada, reaparece sob o nome de "visão de futuro" ou "fé ousada". A segunda é um individualismo espiritual radical, no qual salvação e bem-estar dependem exclusivamente da performance pessoal. O senso de comunidade e a responsabilidade coletiva se enfraquecem.
No plano social, a Teologia de Mamon oferece uma justificativa conveniente para a desigualdade. Se a riqueza é sinal de bênção, a pobreza se transforma em culpa individual. O sistema econômico deixa de ser questionado, e a vítima passa a ser responsabilizada por sua própria condição. Desmonta-se, assim, a base teológica da caridade, da justiça social e da compaixão, pilares históricos do cristianismo. O "amai-vos uns aos outros" cede lugar a um silencioso "enriquecei-vos por mérito".
O resultado é uma espiritualidade que anestesia. Ela promete consolo e ascensão individual, mas evita qualquer enfrentamento das estruturas que produzem a pobreza que diz combater. O sagrado se adapta sem atrito à lógica do capitalismo tardio.
Em suma, a Teologia de Mamon representa a rendição de parte do campo religioso à lógica do mercado. É o Bezerro de Ouro reconstruído em alta definição, com marketing digital e transmissão ao vivo. Mamon não exige altares de pedra, mas de vidro e aço: arranha-céus, shoppings, telas de smartphones. O impacto final é a erosão do mistério e a transformação do sagrado em mais um produto na prateleira da vida contemporânea.
O desafio para as religiões —e para os buscadores sinceros— não é exorcizar o dinheiro, mas destroná-lo. É reaprender a distinguir o que tem preço do que tem valor, antes que a cotação da alma humana despenque no pregão do esquecimento

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