Josinaldo Reis do Nascimento
Pouca gente sabe, mas na Amazônia também tem mar: é a Amazônia Atlântica. Nas minhas andanças por outras regiões do Brasil, quando digo que vivo aqui, nos maretórios da Amazônia —e que eles são o palco das minhas pesquisas—, quase sempre percebo espanto e curiosidade. Essas reações revelam o quanto ainda é necessário falar sobre a importância socioeconômica e ambiental desses maretórios para o equilíbrio da temperatura global do planeta.
Maretórios são espaços costeiros e marinhos habitados e manejados por populações tradicionais extrativistas, que vivem sob a influência direta das marés, dos ventos e dos ciclos lunares. São pescadores e pescadoras que edificam, a partir dessas dinâmicas naturais, contratos sociais e práticas produtivas que vão além da pesca.
É nos maretórios que a Amazônia encontra o mar. Apesar de muitos associarem a região apenas à floresta densa e aos grandes rios, o bioma também se estende até o litoral, no Pará, onde exuberantes florestas de mangue marcam a transição entre terra e oceano. Árvores que podem chegar a 30 metros de altura —como Rhizophora mangle, Avicennia germinans e Laguncularia racemosa— formam o ecossistema manguezal, berço de uma biodiversidade essencial à vida marinha e costeira.
Os manguezais da Amazônia, do Amapá ao Maranhão, compõem a maior faixa contínua desse ecossistema no mundo, com mais de 1 milhão de hectares. E há uma grandeza silenciosa nessa paisagem: enquanto uma floresta tropical de terra firme fixa entre 1 e 2 toneladas de carbono por hectare ao ano, os manguezais podem capturar até 21 vezes mais carbono da atmosfera. É um serviço ambiental de proporções planetárias.
Mas os manguezais são também maretórios de gente como Dona Edite Maria, Seu Bebeto, Seu Bulau e o mestre Manoel Ramos, da Reserva Extrativista (Resex) Caeté-Taperaçu. No litoral do Pará, centenas de comunidades tradicionais dependem diretamente desse ambiente para viver. A pesca artesanal do caranguejo-uçá (Ucides cordatus), por exemplo, garante alimento, renda e segurança alimentar a milhares de famílias, estruturando redes de solidariedade e a economia local.
Essa íntima relação entre natureza e cultura está na base das Reservas Extrativistas Marinhas —unidades de conservação de uso sustentável que protegem tanto o ambiente quanto os modos de vida tradicionais. Desde 2001, quando a primeira Resex Marinha foi criada em Soure, no Marajó, o litoral paraense passou a abrigar 14 unidades desta modalidade, somando mais de 341 mil hectares de áreas protegidas.
Essas histórias ganharam registros na quarta temporada —"Maretórios do Futuro"— do podcast Mexericos na Maré, disponível nos principais agregadores de áudio. O podcast é produzido por estudantes de Bragança/PA do Instituto Federal do Pará (IFPA) e da Universidade Federal do Pará (UFPA) e vem ampliando as vozes da Amazônia Atlântica.
Mexericos na Maré conquistou o 2º lugar do Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica 2025 na edição especial dedicada à COP30. Concedido pelo CNPq em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, é o mais importante prêmio do país na área da popularização da ciência. Um reconhecimento de que na Amazônia se faz ciência, cultura e transformação.

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