terça-feira, 16 de dezembro de 2025

A crise estrutural dos Correios, Cecilia Machado - FSP

  

Entre os desafios enfrentados pelos Correios está a queda nas entregas de mercadorias internacionais, para a qual contribui a tributação sobre importações de pequeno valor instituída em 2024. A chamada "taxa das blusinhas" é, sem dúvida, um fator relevante, mas está longe de ser a única explicação para os resultados decepcionantes da empresa. Os motivos são anteriores, estruturais e compartilhados por operadores postais ao redor do mundo, em um setor que vem passando, nos últimos anos, por transformações profundas.

Estudo da Universal Postal Union (UPU), agência das Nações Unidas especializada no setor, ajuda a dimensionar as mudanças. Desde a pandemia, o mercado postal global se reconfigurou de forma substancial: a digitalização reduziu o volume de correspondências, enquanto o crescimento do comércio eletrônico elevou a demanda por serviços de encomendas mais rápidos, rastreáveis e integrados a plataformas digitais.

Edifício alto com fachada curva de vidro azul refletindo o céu, ladeado por estruturas claras. Placa amarela com logo e nome 'Correios' na entrada.
Fachada de agência dos Correios em São Paulo - Rafaela Araújo - 10.set.25/Folhapress

Entre 2019 e 2025, o tráfego internacional de cartas caiu cerca de dois terços. Ao mesmo tempo, o número de rotas internacionais se expandiu, impulsionado pela atuação de operadores privados com logística própria, reduzindo as economias de escala inerentes a este tipo de serviço. O resultado foi queda de receitas, aumento de custos e maior complexidade operacional.

O relatório mostra ainda que essa dinâmica penaliza de forma desproporcional os países em desenvolvimento, que operam com volumes menores e têm menos capacidade de negociar rotas mais atrativas. Não por acaso, empresas postais em diversos países vêm revendo seus modelos operacionais, investimentos e formas de governança para se adaptar a essa nova realidade. É nesse contexto mais amplo que se inserem os desafios dos Correios no Brasil.

A empresa precisará se adequar a esta nova estrutura de mercado, operando com tecnologias compatíveis em segmentos onde é possível ofertar serviços de forma confiável e eficiente. Ainda que o serviço postal universal possa continuar sendo um objetivo legítimo, é um equívoco tratá-la como um fim em si mesmo, dissociado da qualidade da prestação do serviço. Um serviço que atrasa, perde encomendas ou opera com baixa confiabilidade não cumpre seu papel, ainda que seja formalmente universal.

A esses desafios somam-se problemas recorrentes de gestão em empresas estatais, que frequentemente operam de forma ineficiente por motivos que vão da interferência política em nomeações e decisões de investimento à falta de planejamento estratégico. Relatório recente do Tesouro Nacional aponta que um conjunto relevante de estatais federais apresenta deterioração de resultados e risco de necessidade de aportes da União. Trata-se de um diagnóstico técnico: falhas de governança, inovação, gestão de pessoas e tecnologia têm consequências fiscais concretas. No caso dos Correios, o déficit deve alcançar R$ 6 bilhões em 2025.

Como estatal, o desempenho dos Correios afeta diretamente o orçamento público, pressiona a dívida e impõe custos de oportunidade relevantes. Recursos usados para cobrir prejuízos deixam de financiar políticas públicas com retornos sociais mais claros, como saúde, educação e segurança pública.

O serviço prestado pelos Correios é fundamental, mas não pode ser oferecido a qualquer custo —especialmente em um país com restrições fiscais severas e múltiplas demandas sociais concorrendo por recursos escassos. Garantir que a empresa cumpra sua função pública exige mais —e não menos— eficiência, clareza de objetivos e responsabilidade no uso do dinheiro público. É esse debate, mais complexo e menos ideológico, que precisa ser enfrentado.


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