terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Blecautes - Jerson Kelman ,FSP

 Os blecautes que têm acontecido em São Paulo na sequência de tempestades e ventanias evidenciam a necessidade de medidas de adaptação às mudanças climáticas. Por exemplo, a qualidade da prestação do serviço seria muito melhor se a rede elétrica fosse subterrânea. Sou testemunha disso: moro no Rio, em Copacabana, onde a rede foi enterrada décadas atrás, e não me lembro de um único blecaute nos últimos 6 anos.

O leitor talvez ache que a Enel poderia gerenciar melhor a rede aérea existente, particularmente na poda de árvores, em articulação com a administração municipal. Talvez tenha razão. Não tenho suficiente conhecimento para opinar. Poderá também achar que a Enel não tem interesse em enterrar a rede. Suponho que não seja esse o caso porque careceria de lógica econômica: qualquer concessionária de distribuição tem interesse em fazer investimentos para receber a respectiva remuneração pelo capital alocado, como se fosse o aluguel de um imóvel.

Técnico com capacete e colete laranja opera em plataforma elevatória próxima a transformador em poste de energia. Fios e isoladores visíveis, ambiente urbano com árvores e edifícios ao fundo.
Carro da Enel chega para fazer a religação da energia após seis dias em prédio na Mooca, zona leste de São Paulo - Danilo Verpa - 15.dez.25/Folhapress

Por óbvio, são os consumidores que pagam esse "aluguel" embutido em suas contas de luz. Ou seja, a amortização e a remuneração do capital investido em ativos reconhecidos regulatoriamente são repassados para os consumidores via tarifas. Por isso o enterramento de toda a fiação seria inviável: as contas de luz ficariam incompatíveis com o nível de renda da população (os 20% mais ricos têm renda mensal de R$ 3.500). Ou seja, o principal problema é social e econômico, não técnico.

Ok, toda fiação não pode ser enterrada. Mas... e se a providência fosse tomada só nos bairros em que a população, em busca de um serviço de melhor qualidade, decidisse numa consulta por pagar bem mais pela eletricidade e tolerar obras que inescapavelmente atrapalhariam o trânsito?

A hipotética consulta seria elitista porque só a população de bairros ricos teria condições de responder positivamente. Porém, é preciso reconhecer que o elitismo já é a prática corrente. Nos bairros melhor urbanizados, onde moram pessoas de maior influência política, o serviço tende a ser de melhor qualidade do que nos bairros pobres. Mas toda a população, não importa o bairro, paga a mesma tarifa, sem que a qualidade do serviço influencie de forma relevante a conta de luz. Para um mesmo consumo, eu pago uma conta de luz quase igual a de um morador da Baixada Fluminense que sofre falhas elétricas que não me atingem. Na prática, os pobres subsidiam os ricos.

O decreto nº 12.068/2024 permite que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) aplique tarifas diferenciadas por áreas ou bairros, mencionando explicitamente os locais onde haja dificuldade de combate às perdas não técnicas (os "gatos") e altos índices de inadimplência. Acredito que o decreto também permita o aumento tarifário em áreas onde se faça substancial investimento na rede subterrânea. Ou seja, a diferenciação tarifária pode ser aplicada tanto nos bairros problemáticos quanto nos que sejam privilegiados com um serviço de melhor qualidade.

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A aplicação prática dessa diferenciação depende de regulamentação da Aneel. A Agência está realizando consultas públicas para definir os critérios de como essas tarifas serão calculadas e em quais situações poderão ser aplicadas. Nesse meio tempo, é torcer para que o Congresso desista da tentativa em andamento de derrubar o decreto.


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