segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Michael França - Rotas para o Nordeste, FSP

 Espedito sempre foi um cara humilde. E isso não se deve apenas à sua origem, mas sobretudo à forma simples e carinhosa como trata as pessoas. Saiu do sertão baiano ainda menino, por volta dos 14 anos, empurrado pela fome e pela seca. Em Minas Gerais, cruzou o caminho de Zilá e, de uma noite esquecida, mas não tão distante, eu nasci. Essa trajetória, marcada pela migração forçada e pela busca por sobrevivência, por muito tempo foi quase uma regra para milhões de famílias nordestinas.

Desde então, o Nordeste tem mudado. A migração em massa que marcou o imaginário do país durante décadas perdeu força. A figura do retirante, tão presente no passado, já não ocupa o mesmo lugar no debate público. Em várias regiões, surgiram polos produtivos, cidades médias ganharam dinamismo, cadeias produtivas locais se diversificaram e novas oportunidades passaram a existir mais perto de casa.

Cacto alto com vários braços em área seca e arbustos baixos ao redor. Céu parcialmente nublado com nuvens brancas e cinzas.
Mandacaru na cidade de Macururé (BA) - Rafaela Araújo - 14.out.24/Folhapress

Contudo, isso não significa que o problema do desenvolvimento esteja resolvido. Persistem barreiras estruturais importantes que limitam o potencial da região. Baixa produtividade, dificuldades de acesso a mercados, gargalos de infraestrutura, fragilidades institucionais e desigualdades educacionais seguem condicionando as trajetórias de milhões de nordestinos. O crescimento existe, mas ocorre de forma desigual, tanto entre estados quanto dentro deles.

Um estudo recente do Banco Mundial, intitulado Rotas para o Nordeste, elaborado por Cornelius Fleischhaker, Shireen Mahdi, Karen Muramatsu, Heron Rios e uma equipe multidisciplinar, ajuda a organizar esse novo cenário.

O relatório propõe olhar o desenvolvimento regional não como um caminho único, mas como um conjunto de rotas possíveis, que combinam vocações produtivas locais, integração territorial, capital humano e políticas públicas bem calibradas. Uma das mensagens do estudo é que o desafio do Nordeste hoje não é mais apenas crescer, mas crescer melhor, conectando pessoas, territórios e oportunidades.

Ao fazer esse diagnóstico, o estudo chama atenção para algo importante. O futuro da região depende menos de soluções genéricas e mais da capacidade de reconhecer suas diferenças internas, suas potencialidades específicas e seus nós históricos. Pensar novas rotas para o Nordeste representa aceitar que o desenvolvimento não virá de um atalho, porém, como todo projeto de desenvolvimento, virá de escolhas consistentes ao longo do tempo.

Quando olho para a história de Espedito, meu pai, penso no quanto essas escolhas importam. Durante décadas, a única rota disponível para muitos era sair. Talvez o maior sinal de avanço seja justamente a possibilidade de que, para as atuais e próximas gerações, ficar também seja um caminho viável, digno e cheio de futuro.

Esse texto não é apenas uma homenagem a Espedito, que, além da miséria enfrentada pelo retirante, também é um recente sobrevivente de um câncer de próstata agressivo, mas também representa um pedido para que meus leitores não deixem de se cuidar e não tenham preconceito do dedinho do exame de próstata. No mais, também é uma homenagem à música "Retirada", de Elomar. Bom Natal.

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