Na noite de 10 de setembro de 2010, eu entrava no Canecão para a estreia de "Orfeu", uma nova versão da peça "Orfeu da Conceição", de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, quando vi o enorme amigo à minha frente: Haroldo Costa. Enquanto nos abraçávamos, um repórter se materializou entre nós e, de costas para Haroldo, começou a me fazer perguntas. Expliquei-lhe que não tinha nada a dizer. Quem ele devia entrevistar era o homem ao meu lado –nada menos que o Orfeu da encenação original, estreada no Teatro Municipal no dia 25 de setembro de 1956.
O repórter levou constrangedores segundos para entender o que eu estava falando e, ao se virar para Haroldo, não sabia o que perguntar. Tive de dar-lhe a ficha: era Haroldo Costa, o Orfeu de Tom e Vinicius, e não somente isso. Nos meses anteriores à estreia, fora o protagonista de incontáveis reuniões na casa de Vinicius em Ipanema, ajudando o diretor Leo Júsi a desenvolver seu próprio personagem e todos os demais. E sobrava-lhe cacife para tal: egresso do Teatro Experimental do Negro, de Abdias do Nascimento, nos anos 40, Haroldo passara metade dos anos 50 na Europa com o seu "Brasiliana", um espetáculo de dança brasileira, e, de volta ao Rio, tinha mais experiência do que toda aquela equipe junta.
O Orfeu da nova encenação, dirigida por Aderbal Freire-Filho, era o novato Érico Brás. Haroldo, espero que convidado para a estreia, teria passado despercebido ali se eu não tivesse alertado o repórter. Não sei se ele se sentiu magoado ou se já se habituara àquele esquecimento. Era o Brasil.
E olhe que ele era famoso —comentarista da transmissão dos desfiles das escolas de samba no Carnaval pela TV Globo. Todos os anos, seu rosto bonito e generoso ocupava as telas por duas madrugadas inteiras.
Em 1956, Tom e Vinicius dividiram a cultura brasileira em antes e depois, com sua decisiva participação. Mas, na maioria das matérias sobre sua morte, no Rio, sábado último (13), aos 95 anos, Haroldo reduzia-se a um comentarista de Carnaval.
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